E se o futuro da saúde pública passar pela relação que temos com os ecossistemas?

O médico veterinário Luís Montenegro e o virologista Pedro Simas alertam para os perigos das doenças infecciosas que surgem nos animais e são transmitidas a humanos. Ambos defendem o conceito de One Health — um sistema que englobe a saúde do ambiente, dos animais e dos humanos. Hoje assinala-se o Dia Mundial da Uma Só Saúde.

Foto
cromaconceptovisual/Pixabay

Ébola, gripe A, sida, febre-amarela e, mais recentemente, covid-19 são algumas das doenças infecciosas que tiveram início em animais e acabaram por ser transmitidas aos seres humanos. O que poderia ser feito para evitar estes surtos? Segundo o médico veterinário Luís Montenegro, para evitar a disseminação de doenças zoonóticas (doenças com origem animal), o ideal seria aplicar um sistema de One Health: um triângulo onde a saúde humana, animal e ambiental coexistem. O Dia Mundial da Uma Só Saúde assinala-se hoje, 3 de Novembro.

Em primeiro lugar, é preciso perceber o que faz com que estas doenças passem de animais para pessoas. Para o professor universitário e virologista Pedro Simas, o aumento dos contactos entre espécies desconhecidas e os humanos, que durante a evolução não eram tão frequentes, pode ser uma resposta. “Quanto mais contacto houver com animais, maior é a probabilidade que um destes episódios resulte na introdução de um novo vírus”, explica ao P3.

Ainda assim, Pedro Simas faz questão de salientar que estas situações não são tão comuns quanto aquilo que se pensa: “É um processo estocástico [dependente do acaso] porque existe uma barreira da espécie, mas, claro, depois há aqueles que saltam a barreira da espécie, acabando por se adaptar e estabelecer.”

E há exemplos que o comprovam, sublinham. A raiva, que atingiu, sobretudo, a população africana nos anos 50, teve origem nos cães. A gripe A, considerada pandemia em 2009, vem de um vírus respiratório proveniente de aves. A sida teve início nos primatas, mais especificamente num chimpanzé e a febre-amarela foi inicialmente transmitida por um mosquito.

Luís Montenegro é mais crítico no que diz respeito às zoonoses e aponta a falta de inspecção alimentar e o desrespeito pelos habitats animais como possíveis motivos. “Somos uma espécie muito egoísta que liquida tudo à sua volta”, revela. A aproximação a animais selvagens (derivada de um interesse comercial), a intensificação da agro-pecuária e a crescente urbanização faz com que, de acordo com o médico veterinário de 49 anos, se proporcione um “caldo ideal para o surgimento de novos vírus e bactérias”.

Embora Portugal não se insira neste contexto, Luís Montenegro menciona que há temas que devem ser trabalhados no país, nomeadamente o consumo de proteína animal e o uso de antibióticos. “Temos taxas de consumo exageradíssimas, o que não só faz mal à nossa saúde como também provoca um aumento na produção de dióxido de carbono”, refere. Quanto à segunda questão, o profissional avança que se não houver uma maior selecção na prescrição de antibióticos, humanos e animais vão ganhar maior resistência a estes. “De acordo com Organização Mundial de Saúde, em 2050 prevê-se que se vá morrer mais disto do que de doenças oncológicas”, alerta.

A solução? Para Luís Montenegro, é preciso tomar medidas que englobem a saúde ambiental, animal e humana. Isto passa pelo conceito de One Health, que se traduz em cuidar da saúde animal, garantindo a saúde humana. “Sou defensor de uma só saúde e de medicina integrada, caso contrário vamos ter mais surpresas a nível pandémico”, diz. Pedro Simas acrescenta que é necessário um cruzamento de disciplinas para responder a esta situação.

Para diminuir a possibilidade de contrair doenças zoonóticas, cada um de nós pode tentar “viver de um modo sustentável, com respeito pela natureza”, elucida o virologista. Políticas de sustentabilidade ambiental, como a proibição de venda de animais vivos em mercados e a ilegalização do comércio de animais exóticos, são algumas das medidas que devem ser adoptadas globalmente, acrescenta Pedro Simas.

Já o médico veterinário avisa para a importância de lavar as mãos com mais frequência: “Lavar três vezes por dia, como comummente é ensinado em ambiente escolar, não é suficiente. Somos veículos permanentes de bactérias e vírus, é necessário lavar as mãos várias vezes ao dia, especialmente quando mudamos de espaços físicos.”

Texto editado por Ana Maria Henriques

Sugerir correcção
Comentar