Breshit

Com falta de comida nas prateleiras dos supermercados, cortes de electricidade, petróleo e gás com preços historicamente altos, o Governo britânico inadvertidamente deu com a solução para o problema de imigração: destruir a economia.

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Reuters/HANNAH MCKAY

A Conferência Climática das Nações Unidas (COP26) está aqui à porta. Esta iniciativa tenciona continuar o grande sucesso do “blá, blá, blá” do Acordo de Paris de 2015 e fazer com que mais de 200 países apresentem planos para reduzir a zero as emissões de dióxido de carbono até ao meio do século. A ideia é induzir uma sensação de bem-estar calorosa nos habitantes dos países ditos desenvolvidos, permitindo-lhes continuar os seus hábitos de consumo de produtos cada vez mais dependentes de cadeias de abastecimento globais, esgotamento dos recursos e violações dos direitos humanos competitivos livres de culpa.

Infelizmente, algumas das fadas madrinhas mais poluidoras não vão poder participar nesta distribuição de “pozinhos de perlimpimpim”, o que faz com que esta iniciativa tenha o mesmo efeito que os arco-íris à janela durante a pandemia. Não querendo ficar atrás, a Rainha decidiu ressuscitar o hashtag #ficaemcasa. A COP26 vai ser presidida pelo Reino Unido, país que recentemente se libertou dos grilhões da União Europeia numa onda de nacionalismo saudosista para assumir o seu lugar como potência independente num mundo em decadência. Um pouco como se o Jack atirasse a Rose borda fora e fosse tentar ocupar a posição de capitão do Titanic já depois de o navio se ter partido em dois e de o contramestre ter dado um tiro na cabeça.

Boris Johnson e os seus deputados decidiram assinalar ao mundo essa vontade de regressar aos tempos áureos vitorianos e recusaram no Parlamento uma proposta que impedisse as empresas de tratamentos de águas de continuar a fazer descargas de esgotos nos rios e mares da Grã Bretanha. Ao que parece, as descargas têm vindo a aumentar por falta de químicos que permitam tratar os esgotos causadas pelo Breshit. A falta de investimento na infra-estrutura durante mais de um século, aliada ao aumento da frequência de cheias causadas pelas mudanças climáticas, leva a que as empresas de tratamentos de águas tenham que escolher entre descarregar o material no mar ou deixar que reflua para dentro da casa das pessoas.

A privatização destas empresas há 30 anos tinha prometido resolver esse problema. Os mercados optaram, eficientemente, por meter as 15 a 20 mil libras necessárias por casa para actualizar a canalização nos bolsos dos seus accionistas. Mas deixemo-nos de queixinhas. A The Rivers Trust produziu um mapa que nos permite ver o quão próximo de uma descarga nos encontramos e é só questão de fazer o nosso wild swimming a montante. Resolve-se assim mais um problema: o de atrair turistas que tipicamente preferem as zonas costeiras francesas. Em vez de visitarem villas-sur-mer, turistas no Reino Unido podem veranear em “cidades-sur-merde”.

O Governo britânico representa bem a pujança do mercado de emprego, com um total de zero despedimentos após duas comissões parlamentares identificarem a má gestão do início da pandemia como tendo custado milhares de vidas. Após dois anos subjugados a um vírus que se aerossoliza e transmite através de mini-partículas respiráveis, ainda se discute se é sensata a utilização de máscaras e implementação de regras de distanciamento social em sítios fechados quando os números de contágios são elevados. Chegámos assim àquilo que vai ser considerado como o “período áureo da mediocridade e impunidade” por gerações vindouras de historiadores.

(Caso tenham recuperado este texto dos vestígios de um disco rígido encontrado na zona abdominal de um fóssil da última espécie de baleias a ser extinta, por favor anotem que, apesar da incompetência ser sistematicamente votada para o poder, nem toda a gente concorda com o status quo.)

Com falta de comida nas prateleiras dos supermercados, cortes de electricidade, petróleo e gás com preços historicamente altos, o Governo inadvertidamente deu com a solução para o problema de imigração: destruir a economia.

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