Fisco chamado a partilhar dados com a ACT sobre recibos verdes
Proposta do Governo prevê que a ACT ganhe acesso a mais informações para prevenir casos de precariedade de trabalhadores independentes ou com contratos a prazo. Com a dissolução do Parlamento, o destino da iniciativa é incerto.
A proposta de alteração à legislação laboral que o Governo colocou em discussão pública até ao final de Novembro prevê que a Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) passe a ter acesso a uma série de informações fiscais, onde se incluem dados que permitem identificar se uma pessoa é trabalhadora por conta de outrem ou trabalhadora independente.
O objectivo passa por dar à ACT um maior leque de informação quer para prevenir situações de precariedade, discriminação e desigualdade nas relações laborais ou para realizar inspecções nesse âmbito (por exemplo, a empresas onde se suspeita haver irregularidades).
A proposta de lei — aprovada pelo Governo dias antes da rejeição do Orçamento do Estado para 2022 — entrou em consulta pública na sexta-feira (por 30 dias), mas, por ora, o destino do projecto é uma incógnita. Não se sabe se o executivo irá enviá-lo para o Parlamento, que está na iminência de ser dissolvido pelo Presidente da República.
Na proposta de diploma prevê-se que haja uma “interconexão de dados” entre a ACT, a Autoridade Tributária e Aduaneira, o Instituto da Segurança Social e o Instituto dos Registo e do Notariado, para que a ACT planeie e execute a “sua actividade inspectiva e de prevenção” em matérias como a precariedade, a segurança e saúde no trabalho, a organização dos tempos de trabalho e a regularização das relações laborais.
Em relação aos trabalhadores independentes, a ACT terá acesso, por um lado, a dados com a identificação de trabalhadores inscritos na Segurança Social, e, por outro, a dados do fisco sobre os “emitentes de recibos de trabalho independente”, as “entidades empregadoras”, os “rendimentos laborais”, o “volume de vendas anual” e os “membros de órgãos estatutários” (de empresas, por exemplo).
A troca de informação não se destina apenas a combater situações de precariedade que envolvam prestadores de serviços, mas também irregularidades na conversão de contratos a termo (a prazo) em contratos por tempo indeterminado.
A proposta de lei prevê, por exemplo, que a Segurança Social disponibilize informação à ACT sobre “trabalhadores por conta de outrem”, a sua “qualificação e vinculação”, e a sua remuneração.
Em paralelo, o sistema de informação da Segurança Social vai passar a contar com dados sobre os utilizadores de trabalho temporário.
Restrições no fim dos contratos
Na mesma proposta de diploma, o Governo prevê que, quando um contrato a termo chegar ao fim, por um motivo “não imputável ao trabalhador”, uma empresa não poderá admitir ou afectar outro trabalhador “através de contrato de trabalho a termo ou de trabalho temporário cuja execução se concretize no mesmo posto de trabalho ou actividade profissional”.
Neste momento, a proibição aplica-se apenas às situações ocorridas para o mesmo posto de trabalho ou o mesmo objecto. A novidade que o executivo quer introduzir passa por alagar a proibição aos casos em que o empregador quer fazer contratos para a mesma “actividade profissional”.
A regra aplica-se aos contratos celebrados “com o mesmo empregador ou sociedade que com este se encontre em relação de domínio ou de grupo, ou mantenha estruturas organizativas comuns” antes de decorrido um terço da duração do contrato, incluindo renovações.
Na fundamentação da proposta de lei, que inclui outras alterações — da regulamentação dos contratos dos trabalhadores das plataformas à criminalização do trabalho não declarado à Segurança Social —, o Governo sustenta ser necessário reforçar a protecção dos trabalhadores mais desprotegidos neste momento, porque, sublinha, “a pandemia veio tornar ainda mais evidente a particular fragilidade dos vínculos não permanentes e das chamadas formas atípicas de contratação, bem como os riscos acrescidos que lhes estão associados”.
O executivo refere que esses riscos são mais evidentes entre os jovens “ou em áreas como o trabalho temporário”, mas também em “áreas como o trabalho independente, o recurso a aquisição externa de serviços a entidades terceiras e especialmente as formas mais extremas de exposição a riscos de precariedade social, como o trabalho não declarado, incluindo em sectores com características específicas e forte incidência de trabalhadores deslocados”.