Visões Úteis estreia em Coimbra Versão Beta, uma peça “quase” carbono zero
O espectáculo “Versão Beta”, interpretado por Carlos Costa, explora três linhas de tempo da sua vida: uma cassete de vídeo de 1984 (passado), a leitura de uma obra iniciada em 1995 (presente) e um projecto com estreia marcada para 2038, em preparação desde 2008 (futuro).
A Visões Úteis estreia em Coimbra, na quarta-feira, Versão Beta, primeira peça “quase” carbono zero da companhia do Porto, onde são abordadas as tensões entre passado, presente e futuro. O espectáculo vai estrear-se no Teatro Académico de Gil Vicente (TAGV), sendo apresentado no dia seguinte no Maus Hábitos, no Porto, estando na sexta-feira em Aveiro, no Gretua, e no sábado em Setúbal, na Casa da Cultura.
Com texto e interpretação de Carlos Costa, um dos elementos da direcção artística da companhia, a peça é uma “exploração a solo”, num registo íntimo, em que o actor e encenador constrói relações entre três linhas de tempo da sua vida. O espectáculo explora o encontro de linhas de tempo, tema desenvolvido pela Visões Úteis em trabalhos passados, resultando nesta peça na “coincidência de uma vida e no encontro de um indivíduo [Carlos Costa] consigo e com o espectador” e com a consciência do passar do tempo, explica o actor.
“Apesar de haver um indivíduo a falar de si, fala de coisas muito reconhecíveis. As coisas nem sempre acontecem como nós imaginávamos”, disse à agência Lusa Carlos Costa. Em cena, são exploradas três linhas de tempo: a primeira cassete Betamax de Carlos Costa e os 30 minutos que gravou em 1984; o início da leitura de Em Busca do Tempo Perdido, de Marcel Proust, em 1995; e em 2008, quando se gravou a ler os textos de Krapp's Last Tap, que Samuel Beckett indica terem sido registados 30 anos antes, para um projecto do actor a estrear em 2038.
Em 1984, Carlos Costa poderia ter gravado na sua cassete momentos históricos como a descoberta do vírus da sida ou o lançamento do álbum Born in the U.S.A., de Bruce Springsteen, mas escolheu o videoclipe de um músico que ficou perdido na história. Já o romance com mais de três mil páginas de Proust, está longe de acabar a sua leitura e acredita que irá morrer antes de o terminar. Quanto ao projecto de Beckett, as gravações que fez foram “na esperança de, 30 anos mais tarde, com 69 anos, contracenar com a [sua] imagem”.
“Faz algum sentido? Aos 69 anos, quero estar a fazer isso?”, questiona Carlos Costa. As questões exploradas na peça “têm a ver com a velocidade do tempo”, esclarece. “Aos 22 anos, fiz as contas e teria muito tempo [para acabar a obra de Proust], e agora olho e sinto que não tenho tempo e que vou morrer sem chegar ao fim. Tem a ver como nós nos situamos no tempo e como essa passagem do tempo vai transformando a nossa imagem no presente, no passado e no futuro”, salienta.
Para Carlos Costa, o espectáculo “não é apenas um exercício diletante, porque na realidade este olhar para trás de perceber como as coisas se processaram até agora também permite que, ao olhar para a frente, se possa ter uma perspectiva mais lúcida sobre o que tem sentido imaginar e que sentido se pode encontrar nesta negociação entre o passado que aconteceu e que não aconteceu”.
Esta peça também será a primeira produção da Visões Úteis que será quase “carbono zero”, numa companhia que já tinha a preocupação de no passado plantar árvores para compensar o carbono emitido nas produções de cada ano. Nas instalações onde são feitos os ensaios, só são utilizadas energias renováveis, as deslocações para os ensaios são feitas a pé, de bicicleta ou de metro, e a cenografia reutiliza materiais que a companhia já tinha, tendo tido a necessidade de comprar ou produzir “muito, muito pouco”, afirmou Carlos Costa.
A produção tinha também pensado em alugar um veículo eléctrico para a itinerância do espectáculo, mas não encontraram qualquer opção para veículos de cargo eléctricos, refere. “Ainda assim, de um ponto de vista estrutural, conseguimos esticar a vida da nossa carrinha a diesel, que teria menos impacto do que comprar um veículo e provocar a produção de mais um veículo eléctrico para o utilizarmos”, sublinha