Inquérito étnico-racial: conhecimento e/ou discriminação?
Não me parece descabido que o inquérito nacional seja realizado pela primeira vez, na medida em que, por um lado, urge conhecer para ajudar e, por outro, tais categorias étnico-raciais já existem na sociedade e, como tal, nenhum mecanismo mal intencionado será criado para categorizar artificialmente as pessoas, numa espécie de engenharia social que quer manipular o que se passa na sociedade.
A propósito das últimas notícias que saíram sobre o inquérito piloto às condições, origens e trajectórias da população residente, do INE, que pretende conhecer melhor a diversidade da população portuguesa, nomeadamente com questões de pertença e identificação étnica, e apercebendo-me da controvérsia em relação a isso, lembrei-me das minhas primeiras aulas na licenciatura em Sociologia (que estou a tirar), e mais especificamente da cadeira de Psicologia Social. O professor disse algo como: os sociólogos, em Portugal, não podem perguntar nas suas investigações a etnia da pessoa. Isto provocou em mim uma sensação de espanto. Ora, se o objectivo da Sociologia é compreender a realidade social para actuar (positivamente) sobre ela, como é que tal limitação ao conhecimento pode ser aceitável?
A verdade é que viria a descobrir em aulas posteriores que alguns dos defensores dessa limitação são precisamente sociólogos, havendo também – como eu acreditava – outros sociólogos favoráveis à existência de dados que permitem o retrato da composição étnico-racial da população, já que tal possibilitaria a implementação e o incremento de políticas públicas direccionadas ao combate dos problemas sociais específicos que determinados grupos étnicos enfrentam em Portugal, tal como aquilo que o INE pretende agora. Por outro lado, aprendi que aqueles que não apoiam essa inquirição o fazem legitimamente, pois acreditam que a produção e divulgação desses dados contribuiriam para a acentuação da discriminação étnico-racial. Percebendo o ponto, só depois de estudar as pesquisas de Tajfel, famosas em Psicologia Social, compreendi mais a fundo como é que a discriminação e os estereótipos funcionam.
Tajfel afirmava que os indivíduos tendem a encontrar justificações para categorizar favoravelmente o grupo a que pertencem (endogrupo) e desfavoravelmente o grupo dos outros (exogrupo), em exercício de comparação realizada cognitivamente e que tem repercussões sociais. Isto de modo a intensificar a sua própria auto-estima e a coesão do seu grupo. Mais ainda, as suas experiências provaram que só a mera separação das pessoas em diferentes grupos, com base em categorias sem significado, é suficiente para que haja discriminação intergrupal. Assim, eu diria que as informações que podem resultar de um inquérito como este que será levado a cabo não estão isentas de suscitar possíveis efeitos deste género. Nesta medida, respeito os receios que lhe são associados. Aconselho os leitores mais curiosos a pesquisarem os trabalhos deste autor.
Posto isto, este falta de consenso esteve naturalmente presente no interior do grupo de trabalho nomeado pelo Governo, que, por maioria, deu luz verde (em Março de 2019) à recolha de dados étnico-raciais nos Censos de 2021. Refira-se, para os leitores que ainda não o sabem, que esta situação – que seria inédita nos Censos – veio, no entanto, a ser revertida pelo INE em Junho de 2019, por razões derivadas da subjectividade inerente aos conceitos da temática e limitações técnicas. Ainda assim, o presidente do organismo deixava, por essa altura, a garantia de realizar um inquérito focado no respectivo assunto. Algo que acontece agora, entre 18 de Outubro e 14 de Janeiro, em formato ainda piloto na Área Metropolitana de Lisboa, de modo a testar a metodologia para o mesmo a nível nacional.
Resta-me dizer que, pesando todos os factores, não me parece descabido que o inquérito nacional seja realizado pela primeira vez, na medida em que, por um lado, urge conhecer para ajudar e, por outro, tais categorias étnico-raciais já existem na sociedade e, como tal, nenhum mecanismo mal intencionado será criado para categorizar artificialmente as pessoas, numa espécie de engenharia social que quer manipular o que se passa na sociedade.