Nova temporada em São Roque, a música de regresso às Noites de Queluz
A música regressa ao Palácio de Queluz dia 15 de Outubro, em nova viagem pela música e ambientes setecentistas. No mesmo dia, arrancam os concertos da 33.ª temporada Música em São Roque, centrada em músicos e repertório português, que se dividirá pela Igreja de São Roque e pelo Convento de São Pedro de Alcântara, em Lisboa.
Une-os o Outono, a estação em que se realizam, une-os o facto de serem dois acontecimentos bem conhecidos dos melómanos portugueses e une-os, agora, o regresso a uma certa normalidade, depois do período mais agudo da pandemia. Falamos do ciclo Noites de Queluz, que põe o Palácio de Queluz em diálogo com a música do tempo do seu primeiro esplendor, música setecentista, portanto, e da temporada Música em São Roque, organizada pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa e que, este ano, levará o Coro Gulbenkian ou o Grupo Vocal Olisipo a dois espaços patrimoniais que a instituição detém na cidade, a Igreja de São Roque e o Convento de São Pedro de Alcântara.
As Noites de Queluz – Tempestades e Galanterie, organizada pela Parques Sintra em colaboração com o Centro de Estudos Musicais e Setecentistas de Portugal, sucedem na programação desta 7.ª temporada aos Serões Musicais no Palácio da Pena, que tiveram lugar excepcionalmente, ainda reflexo da pandemia, em Maio. Nessa altura, o público teve a possibilidade de apreciar no Salão Nobre do Palácio da Pena a música que a Família Real ali ouvia nos seus serões mais reservados. Agora, entre 15 de Outubro e 13 de Novembro, a Sala de Música e a Sala do Trono do Palácio Nacional de Queluz serão palco para oito concertos, por onde passará Bach ou Vivaldi, mas também a música sacra e uma viagem às origens do flamenco (os bilhetes têm o preço de 15€ por concerto).
Este sábado, dia 16, às 21h30 (horário de todos os concertos), oportunidade ainda para ouvir, na sessão A ‘amigável’ disputa, o histórico pianoforte Clementi, parte do acervo do palácio, a dar vida, pelas mãos da romena Aurelia Visovan, a obras do construtor do instrumento, Muzio Clementi, que serão intercaladas com peças de Mozart. Dá-se assim forma ao “combate” musical que Mozart e Clementi protagonizaram em Viena, na véspera de Natal de 1781.
Sob o signo do cravo
O programa, com o equilíbrio habitual entre nomes nacionais de relevo e reconhecidos artistas internacionais, arranca esta sexta-feira com o Ensemble Gli Accenti, que nos levará à criação italiana do Seicento, destacando duas das suas compositoras de destaque, Barbara Strozzi e Isabella Leonardo, que fazem par com Monteverdi e Frescobaldi. Depois de o primeiro fim-de-semana das Noites de Queluz ser encerrado com a supracitada “‘amigável’ disputa”, o segundo leva-nos, dia 22, à peculiaridade do barroco bolonhês, através do Ensemble Alla Bastarda, com direcção do violinista César Nogueira (a sessão Uma Noite em Bolonha). No dia seguinte, seremos guiados pelo grupo vocal Cupertinos pelo diálogo entre anseios tradicionalistas e desejos de mudança que a música sacra portuguesa viveu no século XVIII.
Vivaldi chegará à programação dia 29, numa sessão dedicada a uma componente da sua criação menos glosada, as cantatas para voz solista. Do programa constam duas transcrições dos seus concertos elaboradas por Bach, prova indirecta, como lemos na sinopse da sessão, “da admiração que Vivaldi granjeava por toda a Europa do tempo”. Interpretam-nas Marie Lys (soprano) e Andrea Buccarella (cravo). Este fim-de-semana das Noites de Queluz será vivido, de resto, sob o signo do cravo. Dia 30, o cravista e maestro italiano Marco Mencoboni, que dará também, no dia seguinte, uma masterclass no âmbito do festival, irá guiar-nos pela história do instrumento numa Toccami l’Anima iniciada com Rocco Rodio e que desaguará em Bach.
As Noites de Queluz encerram com dois concertos em dois fins-de-semana diferentes. Dia 5 de Novembro, a cantaora Rocío Marquez junta-se à Accademia Del Piacere para nos mostrar a intrincada rede de diálogos culturais e musicais, cruzando fronteiras e oceanos, de que resultou o flamenco. Dia 13, o encerramento é feito com a música que deu forma ao barroco português, num concerto do Divino Sospiro com a soprano Ana Vieira Leite e direcção musical de Massimo Mazeo, director artístico das Noites de Queluz.
Polifonias e descobertas em São Roque
Entretanto, depois do início do seu serviço educativo no passado dia 4, também será esta sexta-feira, dia 15, que arranca a 33.ª temporada Música em São Roque. Como habitualmente, a programação destaca músicos e ensembles portugueses e revela preocupação na apresentação e preservação de repertório nacional. Caberá ao Coro Gulbenkian as honras de abertura, na Igreja de São Roque, às 21h, com um programa que explora repertório para voz feminina desde a Idade Média até à actualidade (do quinhentista Cristobal de Morales a Sarah Quartel, compositora do século XXI).
A polifonia vocal será o foco dos dois concertos seguintes, primeiro com o Grupo Vocal Olisipo a transportar para o Convento de São Pedro de Alcântara a música da Catedral de Évora, numa antologia de polifonia vocal sacra saída daquele importante centro musical português (dia 17, 16h30). A 22 de Outubro, na Igreja de São Roque, às 21h, o Polyphonos Ensemble fará do seu concerto um encontro entre compositores de destaque na polifonia portuguesa quinhentista, como António Carreira, o Velho, Miguel da Fonseca ou Frei Manuel Cardoso.
A 24 de Outubro, às 16h30, o Convento de São Pedro de Alcântara será cenário para expor, através d'O Bando de Surunyo, o fervor patriota, que ganhava força e se interligava com o fervor religioso, patente nos cânticos criados durante a Guerra da Restauração (1640-1668) que assegurou a independência portuguesa perante Espanha. Entre 29 e 31 de Outubro, por sua vez, ouviremos o Concerto Campestre abordar o vilancico barroco peninsular (Convento de São Pedro de Alcântara, 21h), veremos o Ensemble Bonne Corde a mergulhar nesse mistério que foi a publicação em Londres da música de António Pereira da Costa, mestre da capela da Sé do Funchal no século XVIII e de cujo percurso pouco se conhece (Igreja de São Roque, 21h), e acompanharemos Márcio da Rosa (tenor) e Isabel Calado (fortepiano), num manifesto desejo de preservação de património musical, a interpretarem obras portuguesas dos séculos XVIII e XIX que, ausentes de edição actuais, se mantêm praticamente desconhecidas (Convento de São Pedro de Alcântara, 16h30).
Estreitando laços entre o passado e o presente, o ensemble Capella Duriensis, dirigido pelo organista britânico Jonathan Ayerst, recupera para os nossos tempos pandémicos as memórias da peste em Lisboa, no final do século XVI, intercalando a Missa Pro Defunctis gregoriana com motetos de Damião de Góis, que viveu na capital assolada pela praga (Igreja de São Roque, 6 de Novembro, 21h).
Depois do cruzamento de culturas e tradições ibéricas, essencial para a identidade dos seus povos, proposta pelo concerto dos Sete Lágrimas, dirigidos por Filipe Faria e Sérgio Peixoto (Convento de São Pedro de Alcântara, 7 de Novembro, 16h30), a temporada Música em São Roque encerrará na igreja que lhe dá nome, dia 12 de Novembro, às 21h, com cantatas de Bach e um concerto de G. P. Telleman interpretadas por Mónica Monteiro (soprano) e Pedro Castro (oboé), solistas da Orquestra Barroca da Casa da Música.
Os concertos têm entrada gratuita, limitada à lotação dos espaços. Os bilhetes já podem ser levantados no Museu de São Roque.