João Leão entregou um “orçamento de escolhas e responsabilidade”
Como vem sendo habitual, houve atrasos sucessivos na entrega do OE. O documento era para ter chegado às mãos de Ferro Rodrigues antes da hora do jantar, depois o gabinete de João Leão adiou para entre as 20h e as 21h e, por essa hora, veio a indicação de que afinal a entrega “atrasou bastante”.
E ao seu segundo orçamento como ministro, João Leão fez igual aos antecessores: entregou a proposta de lei quase ao bater do relógio do dia em que estava combinado que entrasse no Parlamento. Eram 23h38 quando o ministro das Finanças, acompanhado pelos seus quatro secretários de Estado e pelo secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares Duarte Cordeiro, entrou na sala de visitas de Eduardo Ferro Rodrigues para entregar oficialmente a proposta de Orçamento do Estado para 2022. Um gesto que demorou um minuto apenas.
Tal como todos os orçamentos desde o de 2016, também este chega ao Parlamento sem qualquer segurança sobre o seu destino, e com mais incertezas do que os do primeiro Governo de António Costa, quando existiam as posições políticas conjuntas com o BE, o PCP e o PEV que, não dando segurança sobre orçamentos, representavam pelo menos um vínculo e algum compromisso político.
Mas aos jornalistas João Leão procurou passar a mensagem que trazia decorada (parte dela desde o ano passado, repisando as frases de que “é um orçamento bom para Portugal e para os portugueses” e que não vê “como não seja aprovado”), vincando que se trata de um orçamento “que se preocupa com o presente e a recuperação económica e com os desafios - ambiental, demográfico, da produtividade, da transição digital - mas não deixa de ser responsável, tendo em vista a sustentabilidade futura e as contas certas”.
Por isso, mantém a abertura para negociar com os partidos da esquerda que viabilizaram os outros OE “mas num quadro de escolhas, responsabilidade e servindo os interesses do país”. Já sobre as dificuldades dentro do Executivo, o ministro realçou ser o seu sétimo orçamento (cinco ao lado de Centeno) e que este “não foi diferente": “Os orçamentos têm sempre uma dimensão de negociação dentro do Governo e com os partidos”, disse despedindo-se quando lhe perguntaram sobre o seu desgaste no seio do Executivo.
Antes, João Leão declamou as ideias base do documento: Portugal ultrapassou a crise sanitária ("é o país do mundo mais avançado na vacinação da população, com 85%, o que mostra a capacidade do SNS") e está a combater a crise social ("os apoios massivos dados às empresas e trabalhadores e a resiliência dos empresários foram fundamentais para estabilizar o mercado de trabalho, e fizeram com que no segundo trimestre o emprego fosse mais alto do que na pré-pandemia e até dos últimos 12 anos").
Daí que o Governo “olhe para o futuro com optimismo” e estime que o país possa crescer pelo menos 5,5% em 2022, o que permite “construir um OE centrado na recuperação económica e social”. “É o orçamento do investimento público e privado”, descreveu o ministro, acrescentando ser também um “orçamento centrado na classe média [através do desagravamento fiscal] e nos mais jovens"; que “aposta nos serviços públicos”, em especial no SNS, que tem mais 700 milhões de euros.
Recorde-se que a lei de enquadramento orçamental estipula que a proposta de lei do Orçamento do Estado deve ser apresentada à Assembleia da República até dia 10 de Outubro, mas, como foi domingo, em vez de antecipar, o Governo remeteu a obrigação para o dia útil seguinte — no ano passado fizera o mesmo. A antecipação do prazo de entrega entrou em vigor no ano passado, tendo o prazo para a votação final global aumentado para 50 dias. Este ano, a votação na generalidade está marcada para dia 27 deste mês e a votação final global para 25 de Novembro.
Demorou, mas este ano o dia foi mais calmo
O momento da entrega esteve enguiçado: era suposto ter sido antes da hora do jantar, depois o gabinete de João Leão adiou para entre as 20h e as 21h e, por essa hora, veio a indicação de que afinal a entrega “atrasou bastante” — sem mais explicações à vintena de jornalistas que esperavam no Parlamento. Nos gabinetes dos grupos parlamentares cedo se percebeu que mais valia não esperar. Ficou apenas um ou outro elemento para receber a pen com os documentos e a meio da tarde as reacções já tinham sido marcadas para a manhã desta terça-feira, depois da conferência de imprensa no Ministério das Finanças.
O dia da entrega da proposta de Orçamento foi, este ano, bem mais calmo para o Governo: no ano passado, o executivo e o Bloco passaram o dia a lançar farpas mutuamente depois de Catarina Martins ter afirmado logo de manhã que, pelo que conhecia do documento, não havia condições para o viabilizar. Em entrevista à Antena 1, a líder bloquista afirmou que, ao contrário de anos anteriores, o Governo não se reuniu com o BE para fechar oficialmente as negociações.
Na altura, o Bloco tinha imposto algumas prioridades sem as quais não daria o seu aval ao orçamento, como a nova prestação social extraordinária para responder à pandemia, o subsídio para profissionais de saúde, o compromisso de não haver mais dinheiro injectado no Novo Banco.
A relação entre as duas partes estava já bastante deteriorada — o Governo recusou um acordo após as legislativas e também não esteve disponível para entendimentos no orçamento suplementar (embora o Bloco o tenha viabilizado) — e levou a que o Bloco votasse contra nas duas votações, tornando as abstenções do PCP, do PAN e do PEV fundamentais para a viabilidade do documento, que foi aprovado apenas com os votos dos 108 deputados do PS.