Petrolíferas apontam “fragilidades” a lei aprovada com “rapidez inédita”
Diploma que permite fixar margens máximas nos combustíveis é “cheque em branco” ao Governo para intervir no mercado e viola a lei, diz parecer jurídico encomendado pela Apetro.
Aprovada na especialidade num dia e agendada para a votação em plenário no dia seguinte (esta sexta-feira), a lei que permite ao Governo fixar margens máximas nos combustíveis passou por um processo de aprovação de “uma rapidez inédita”, que mostra que há “um carácter de urgência” na sua aprovação, sustenta a associação que representa as petrolíferas, a Apetro.
O sector “não teve tempo para reagir”, nem “sabe como é que a lei vai ser aplicada”, mas já tem a certeza que é um diploma com “fragilidades” ao nível jurídico e que “muda completamente as regras do jogo”, afirmou o secretário-geral da Apetro, António Comprido, numa apresentação à imprensa.
A actual legislação do sector petrolífero prevê que o Governo intervenha no mercado em situações de emergência energética, como por exemplo a falta de combustíveis. Segundo o responsável da Apetro, o que a nova lei traz é um “cheque em branco à administração para intervir quando lhe apetecer” num mercado concorrencial, em “infringimento das normas da Constituição e do Tratado da União Europeia”.
“Em qualquer momento, por se achar que as margens, que nem sabemos como podem ser calculadas, são abusivas, pode haver uma intervenção”, disse António Comprido. As empresas “estão preocupadas”, mas ainda não decidiram se vão avançar para tribunal para contestar esta lei “extremamente vaga”, adiantou.
Segundo a proposta legislativa que foi conhecida no Verão, o Governo quer passar a contar com uma “ferramenta para dar resposta adequada e proporcional a eventos de distorção no mercado nos combustíveis”.
A iniciativa surgiu depois de uma análise da Entidade Nacional para o Sector Energético (ENSE) ter considerado que, durante o período crítico de pandemia, em 2020, as empresas aumentaram margens, apesar da queda das cotações do petróleo e do consumo.
Ao abrigo da alteração legislativa, sempre que for necessário “assegurar o regular funcionamento do mercado e a protecção dos consumidores”, o Governo poderá fixar margens máximas, “limitadas no tempo”, para “qualquer uma das componentes comerciais que formam o preço de venda ao público dos combustíveis simples ou do GPL engarrafado”, sob proposta da Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE).
Os advogados consultados pela associação que representa a Galp, a Cepsa, a Repsol, a Oz, a Prio e a Rubis, entre outras empresas, são da opinião que “a proposta de lei não fundamenta a intervenção regulatória do Governo”, nem mesmo em situação de crise energética, pelo que o “Governo poderia intervir em qualquer circunstância que entendesse qualificar como “evento de distorção do mercado””.
O parecer jurídico encomendado ao escritório SRS Advogados acrescenta que a proposta de lei confere ao executivo “uma norma em branco” e conclui que existe uma “desconformidade da Proposta de Lei” face à lei portuguesa e europeia.
"Ideia muito errada"
A Apetro voltou a criticar o estudo produzido pela ENSE, considerando-o “uma análise meramente estatística”, que não leva em conta como “o mercado está a evoluir em termos de volumes [litros vendidos]”, que estão a decrescer e a “agravar os custos fixos unitários” das empresas; incluindo os custos de estrutura, como o preço médio do imobiliário, os custos de construção e remuneração mínima e média dos trabalhadores, que “têm vindo a aumentar”.
“O aumento da margem bruta é residual e não tem acompanhado os descontos que os operadores fazem”, disse Comprido, sustentando que esta subida “não se pode traduzir em aumentos de lucros das empresas, como se procurou transmitir”.
Nas contas da Apetro, cerca de 80% dos volumes vendidos no mercado têm alguma forma de desconto ou promoção, dado o aumento da dinâmica concorrencial do sector, pelo que a análise da ENSE acaba por não reflectir o preço real cobrado aos consumidores e que efectivamente contribui para a margem das empresas.
O secretário-geral da Apetro criticou mesmo as discrepâncias entre os preços dos combustíveis calculados pela Direcção-geral da Energia e Geologia e pela ENSE, considerando que a primeira “faz uma análise mais próxima da realidade”, porque tem em consideração o “desconto médio”, chegando a haver uma diferença “entre os preços de uma e de outra” de “seis e 10 cêntimos” para o gasóleo e gasolina.
“Isto depois é transformado em margem e dá uma ideia muito errada”, afirmou.
A associação, que encomendou um estudo à Deloitte sobre os impactos do diploma, sustenta ainda que a evolução da margem bruta unitária (por litro de gasóleo ou gasolina) está em linha com o verificado a nível europeu, sendo o agravamento da carga fiscal o “factor determinante para o aumento da diferença do preço médio de venda ao público face à média da UE nos últimos anos”.
Olhando para os preços médios antes de impostos, a evolução em Portugal esteve em linha com o verificado na UE e decresceu nos últimos cinco anos, garante a Apetro.
Como consequência de uma lei que traz “grande incerteza” aos operadores, o estudo da Deloitte aponta vários riscos potenciais para o sector, entre eles a redução da rede de distribuição, a falência de empresas de menor dimensão e o “aumento do preço final para o consumidor”, por causa do fim dos descontos.