Há 15 anos, Jorge Lima Alves passou a fronteira de Campo de Ourique para Campolide, um bairro que desconhecia e onde não imaginava morar. Visitou uma casa, sem grandes expectativas e, do lado de lá de uma das janelas, descobriu “uma vista belíssima sobre Monsanto”. Hoje é apaixonado pelo bairro que o acolheu e, insiste, foi a casa, onde ainda vive, que o escolheu, e não o contrário.
Durante os meses de confinamento a que obrigou a pandemia, retomou o hábito de caminhar, que o ajuda a esclarecer os próprios pensamentos. De máquina fotográfica ou telemóvel na mão, o fotógrafo cruzou as ruas de Campolide e disparou para todos os pormenores.
Nas mesmas ruas, na mesma missão, tinha passado, ainda de madrugada, José Vieira Mendes, amigo de Jorge e colega de profissão há vários anos. “Percebi por publicações nas redes sociais que eu e o Jorge estivemos a fazer o mesmo. Pensei logo que era interessante fazermos um livro sobre Campolide, com as fotografias de ambos. Eu trago o olhar das minhas memórias de infância, e o Jorge o olhar de quem lá vive actualmente”, conta José Vieira Mendes.
Estas imagens, descreve, falam de um bairro popular, simpático, mas de contrastes: de um lado, o Aqueduto das Águas Livres, do outro, as Torres das Amoreiras. “Incomoda-me andar pelo bairro e não encontrar uma única livraria. Quando era criança existiam uma série de colectivos, com actividades sociais e culturais, que sobreviviam, e fico com a sensação de que desapareceram.”
Para José, este livro é também uma homenagem a quem vive e já viveu no bairro, e à sua família. “O meu avô chegou a Campolide há 100 anos. Foi um dos primeiros ardinas do bairro. Aprendi a ler por jornais, e orgulho-me muito disso, das minhas origens. É amor à camisola, por isso é que este livro se chama I love Campolide (em português, Eu amo Campolide).”
Se as fotografias de Jorge e José mostram mais casas e ruas desertas do que retratos dos seus habitantes, a razão é simples: foram feitas durante períodos de confinamento e a horas de pouco movimento. “O bairro é feito de prédios, uns a nascer, outros a morrer, como as pessoas. Têm cicatrizes, tatuagens, também falam. Gosto de captar a sua personalidade como a de uma pessoa”, explica Jorge Lima Alves.
Os amigos e autores do livro também concordam na importância de tornar visível um bairro “muito esquecido”, “desvalorizado e envelhecido”. Muitas vezes, um “lugar de passagem”, em que poucos reparam, atravessado por ruas de tráfego intenso. “Em Campolide ficamos com a sensação de que a classe mais baixa vive no vale”, por baixo do Aqueduto das Águas Livres “e, à medida que subimos, chegamos às casas de quem tem mais posses”.
Do ponto de vista fotográfico, acrescenta Jorge, é “um bairro fascinante, pelo contraste entre novo e velho, rico e pobre, até pelas vilas antigas, onde já existiu uma vida palpitante": “Agora a degradação também tem a sua beleza.”
Ao fazer a paginação do livro, à venda nas livrarias da Cinemateca, Snob, Livraria da Travessa e no Centro Cultural da Brotéria, Jorge reparou que as fotografias dialogavam entre si, “iluminavam-se”. Ao aproximar os olhos das páginas do livro, e ao subir calçadas já percorridas infinitas vezes, continua a maravilhar-se e a descobrir novos detalhes. “Eu já fui à China, à Índia, à América, já fui a todo o lado, e hoje pareço um turista aqui, no meu bairro.”