Justiça europeia considera Rússia “responsável” pelo assassínio de Litvinenko
Antes de morrer, depois de ser envenenado com uma substância radioactiva em Londres, o ex-espião apontou o dedo a Putin. Decisão do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos chega 15 anos depois.
O Tribunal Europeu dos Direitos Humanos declarou esta terça-feira que a “Rússia foi responsável pelo assassínio de Alexander Litvinenko no Reino Unido”, o ex-espião envenenado em Londres com polónio-210, um raro material radioactivo. Enquanto agonizava, no hospital, Litvinenko responsabilizou o Presidente russo, Vladimir Putin, pela sua morte.
Para os juízes europeus, “existe uma forte presunção” de que os autores do envenenamento, identificados pela investigação britânica ao assassínio, “actuaram como agentes do Estado russo”. Moscovo não forneceu uma explicação alternativa “satisfatória e convincente”, “nem refutou as conclusões do inquérito público britânico”, assinalam. Ao mesmo tempo, as autoridades russas “não realizaram uma investigação interna eficaz” que permitisse identificar e julgar “os responsáveis”.
Litvinenko, que recebera asilo no Reino Unido no fim de 2000, foi hospitalizado a 1 de Novembro de 2006, depois de beber chá com polónio-210, um elemento muito difícil de obter e ao qual normalmente só os Estados têm acesso. Morreu no dia 23 desse mês, com 43 anos.
O ex-espião chegara a tenente-coronel no FSB (Serviço de Segurança Federal, o novo nome do KGB), onde o seu último chefe foi Putin. Depois de deixar os serviços secretos, escreveu um livro onde acusava o FSB de estar por trás dos atentados contra blocos de apartamentos em várias cidades russas, atribuídos a separatistas tchetchenos e usados, segundo Litvinenko, para justificar a segunda invasão da Tchetchénia, em 1999.
Já no exílio, colaborou com os serviços secretos britânicos e continuou a criticar Putin e o FSB, denunciando a ligação entre os serviços secretos russos e o crime organizado.
Dez anos depois da morte de Litvinenko, o inquérito público aberto no Reino Unido e presidido pelo juiz Robert Owen concluía que o envenenamento fora “provavelmente” aprovado por Putin. “A operação do FSB foi provavelmente aprovada pelo senhor Patruchev [Nikolai Patruchev, ex-chefe do FSB] e também pelo Presidente Putin”, disse Owen. O magistrado afirmou ter a certeza de que foram dois outros ex-membros do KGB a envenenar Litvinenko: Andrei Lugovoi, que entretanto era deputado de um partido nacionalista russo, e Dmitri Kovtun, que se tornara empresário. A Rússia recusou sempre extraditar os dois suspeitos.
Notando a existência de “uma dimensão pessoal no antagonismo” entre Litvinenko e Putin, o juiz Owen não deixou espaço para grandes dúvidas. “Em termos gerais, estou convencido que membros da Administração Putin, incluindo o próprio Presidente e o FSB, tinham motivos para agir contra Litvinenko, e mesmo matá-lo, no final de 2006”, afirmou então. Na altura da sua morte, o antigo espião estaria a investigar o assassínio da jornalista Anna Politkovskaia, em Moscovo.
Cinco anos depois, é agora o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH) a fazer suas as conclusões do inquérito britânico. Os magistrados consideraram a Rússia culpada de violações do artigo 2 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, que garante o direito à vida, e do artigo 38, que obriga os Estados a fornecerem ao TEDH todos os documentos necessários para o exame de um processo, com o juiz russo a expressar uma “opinião divergente” sobre a violação do direito à vida.
O TEDH condenou a Rússia a pagar 100.000 euros por danos imateriais à viúva, Marina Litvinenko, que levou o caso contra a Rússia aos juízes de Estrasburgo – a quantia, diz a AFP, é particularmente elevada tendo em conta a jurisprudência do tribunal.