Smart cities, autárquicas e a estratégia nacional

As nossas cidades não precisam de mais um plano nacional delineado nos gabinetes confortáveis de Lisboa. As nossas cidades necessitam de planos locais de acção urgentes para gerir um conjunto de ferramentas inteligentes que já têm vindo a instalar. Cabe a cada município tratar da sua estratégia e já ontem era tarde.

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Ines Fernandes

Estamos a poucos dias de mais umas eleições autárquicas em Portugal. Este deveria ser um tempo para debater o futuro de muitas cidades e elencar um conjunto de medidas para solidificar o desenvolvimento económico e social, nuns casos, noutros, inverter a desertificação humana, o empobrecimento e a estagnação.

Em Portugal existem duas realidades distintas. A primeira, a dos grandes centros urbanos, superpovoados e desenvolvidos. A segunda, a da periferia e regiões do interior com problemas sérios de fixação e atracção de pessoas. Ambas as realidades têm problemas bem identificados. Alguns desafios são comuns, outros completamente distintos. Estratégias de “Cidade Inteligente” podem ajudar a resolver e a superar alguns destes desafios. Contudo, o que temos vindo a observar não é animador.

Ao longo da última década temos notado uma evolução muito lenta na adopção de novas ferramentas e processos de inteligência urbana dentro das autarquias. Salvo algumas excepções, a maioria dos investimentos em novas tecnologias e em ferramentas de smart city, são desprovidas de um contexto global e acabam por ser processos individuais e excepcionais acoplados, muitas vezes, aos departamentos de informática e tecnologia.

Ora, o conceito de smart city é, nos dias de hoje, muito mais lato e global. Um projecto de cidade inteligente deve ser transversal a todos os departamentos e sectores de uma cidade/município. Deve ter um suporte político forte e conjugar todos os elementos do executivo num só sentido: o desenvolvimento sustentável e o progresso assente em decisões equilibradas e inteligentes. Mais do que comprar tecnologia e enveredar pelo caminho dos dados e sensorização só porque sim, cada município deve avaliar se realmente necessita de trilhar esse caminho, ou se, porventura, precisa de desbravar outro mais adequado à sua realidade local.

Tem sido neste ponto que muitas cidades/municípios têm falhado. Tem havido investimentos nesta área, é certo, contudo, não se percebe muitas vezes o alcance dos mesmos nem uma relação custo-benefício se torna evidente para os munícipes e cidadãos. Daí que muitos desses projectos nem sequer sejam comunicados ou divulgados como suposto tal a descoordenação e complexidade de relações internas entre cada silo que continuam trancados em si mesmos funcionando com pouca abertura e fluidez com os restantes pilares da cidade/município.

O facto de estarmos em período de campanha eleitoral deveria ter servido para promover mais debate em torno destas questões relacionadas com a sustentabilidade e inteligência urbana e também rural. Contudo, não é isso que se verifica. E há razões para que tal não suceda.

Desde 2020 que os municípios têm privilegiado o combate à pandemia e canalizaram muitos dos recursos e tempo para debelar e minimizar os efeitos nas suas comunidades. Estes dois anos acabaram por ser anos perdidos para investimentos urgentes mais no desenvolvimento de Planos Estratégicos Integrados e Roadmaps de Smart City do que nas ferramentas tecnológicas propriamente ditas.

Em curso está já também a preparação da Estratégia Nacional de Smart Cities, medida prevista no Plano de Acção para a Transição Digital que o Governo lançou há pouco mais de um ano.

Trata-se de uma iniciativa bem-vinda embora peque por tardia já que, em plena transição de quadros comunitários de financiamento, as cidades/municípios já deveriam ter sido motivadas para a integração nas suas estruturas de equipas competentes de gestão de projectos smart city (Smart City office ou Chief Information Office) que ligassem todos os sectores e silos internos criando uma fluidez comunicacional e organizacional entre eleitos e técnicos, lançando planos de acção e roadmaps onde estivessem bem definidos os objectivos e reais necessidades e desafios de cada localidade e comunidade para os anos vindouros.

Provavelmente ainda iremos a tempo de recuperar algum tempo perdido. Espera-se que, findas as eleições, e com o governo já com o dedo no gatilho da “bazuca” do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), o poder local se dedique à criação de condições para implementar soluções inteligentes nos seus territórios sem perder de vista que cada comunidade tem desafios diferentes e específicos, embora alguns sejam comuns e possam aprender e inspirar-se em soluções escolhidas noutras paragens.

Entretanto, espera-se que até ao final do corrente ano, surja a Estratégia Nacional de Smart Cities. Da nossa parte contribuiremos e ficaremos na expectativa de que não seja mais um amontoado de palavras e frases inspiradoras, mas desprovidas de efeito pratico na vida diária dos cidadãos.

As nossas cidades não precisam de mais um plano nacional delineado nos gabinetes confortáveis de Lisboa. As nossas cidades necessitam de planos locais de acção urgentes para gerir um conjunto de ferramentas inteligentes que já têm vindo a instalar e que deveriam contribuir para a resolução de problemas tão diversos. Cabe a cada município tratar da sua estratégia e já ontem era tarde.

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