Veneza vai mesmo começar a cobrar bilhete de entrada. E com reserva obrigatória
“Não queremos deixar ninguém para trás ou impedir as pessoas de virem a Veneza. Queremos que as pessoas façam reservas com antecedência, que nos digam para onde querem ir, o que querem visitar, a fim de fornecermos um serviço de melhor qualidade.” A medida deverá entrar em vigor entre o próximo Verão e 2023.
A partir de uma sala de controlo na sede da polícia em Veneza, o Big Brother está de olho em nós. Para combater a sobrelotação turística, os agentes estão a seguir toda a gente que chega à cidade lagunar.
Utilizando 468 câmaras, sensores ópticos e um sistema de localização por telemóvel, podem distinguir residentes de visitantes, italianos de estrangeiros, de onde vêm as pessoas, para onde se dirigem e a que velocidade se deslocam.
A cada 15 minutos, as autoridades obtêm um relatório de como a cidade está cheia — além de quantas gôndolas estão a deslizar no Canal Grande, a que velocidade navegam os barcos ou se as águas sobem a níveis perigosos.
Agora, um mês após os navios de cruzeiro terem sido banidos da lagoa, as autoridades da cidade preparam-se para exigir que os turistas pré-reservem a sua visita numa app e paguem entre 3 e 10 euros para entrarem, dependendo da época do ano.
Torniquetes similares aos dos aeroportos estão a ser testados para controlar o fluxo de pessoas e, caso os números se tornem esmagadores, impedir a entrada de mais visitantes.
O presidente da Câmara de Veneza, Luigi Brugnaro, diz que o seu objectivo é tornar o turismo mais sustentável nesta cidade visitada por 25 milhões de pessoas por ano. Mas reconhece que as novas regras são susceptíveis de não serem bem aceites por todos.
“Espero protestos, processos judiciais, tudo... Mas tenho o dever de tornar esta cidade habitável para aqueles que nela vivem, e também para aqueles que a querem visitar”, disse a um grupo de jornalistas estrangeiros este domingo.
Os potenciais visitantes estão cépticos. “Não gosto nada de ouvir que terei de pagar entrada só para ver pelas ruas os edifícios da cidade. Quem decide quem pode entrar?” comentou Marc Schieber, cidadão alemão de visita a Veneza por causa do actual festival de cinema. “Penso que é provavelmente uma nova forma de fazer dinheiro.”
Brugnaro adiantou que as autoridades ainda não tinham decidido quantas pessoas eram demasiadas, e quando as novas regras entrarão em vigor. No entanto, é possível que tal ocorra entre o próximo Verão e 2023.
O esquema, sugerido pela primeira vez em 2019, foi adiado por causa da pandemia de covid-19. Durante o confinamento do ano passado, os venezianos maravilharam-se com as ruelas estreitas da sua cidade, por uma vez na vida sem multidões de turistas, com as águas da lagoa a tornarem-se imaculadas graças à ausência de barcos a motor.
Mas, à medida que os visitantes foram regressando para encher a Praça de São Marcos este Verão, as autoridades voltaram a avisar que Veneza não pode permitir, para sua própria sobrevivência, que se atinja números de visitantes demasiado elevados.
Visitante malcomportado? Não entra
Cerca de 193 mil pessoas acotovelarem-se no centro histórico num único dia durante o Carnaval de 2019, antes da declaração da pandemia. No dia 4 de Agosto deste ano, a cidade contou 148 mil entradas, com a diferença explicada pelo facto de muitos viajantes norte-americanos e asiáticos ainda não terem regressado à Europa.
“Há uma limitação física do número de pessoas que podem estar na cidade ao mesmo tempo”, disse Marco Bettini, director-geral da Venis, a empresa de informática e tecnologia que construiu o sistema de monitorização em parceria com o operador telefónico TIM.
“Não queremos deixar ninguém para trás ou impedir as pessoas de virem a Veneza. Queremos que as pessoas façam reservas com antecedência, que nos digam para onde querem ir, o que querem visitar, a fim de fornecermos um serviço de melhor qualidade.”
Residentes, estudantes e trabalhadores que vivem fora da cidade estarão isentos desta taxa turística. Assim como aqueles que passarem pelo menos uma noite num hotel de Veneza, uma vez que já terão entregado uma taxa similar: a tarifa de pernoita de até 5 euros por dia cobrada pela cidade.
Brugnaro refere ainda que não estão em causa preocupações com a privacidade, já que, diz, os dados recolhidos serão anónimos. Mas a sua mensagem é clara: ao controlar o número de turistas que visita Veneza, ele também quer que os viajantes se comportem.
“Haverá condições associadas à obtenção de prioridade nas reservas e descontos”, disse. “Não poderá andar pela cidade em fato de banho. Não poderá saltar de uma ponte ou embebedar-se. Quem quer que venha terá de respeitar a cidade”.
Em Veneza, onde o número de residentes no centro diminuiu para apenas 55 mil, de cerca de 175 mil nos anos de 1950, o plano de Brugnaro é alvo de aceso debate, com alguns a considerarem que irá deixar de fora os turistas menos abastados e transformar a cidade num parque temático.
Outros, como Stefano Verratti, de 50 anos, que vende cristal Murano perto da estação de comboios, apoiam a ideia de desencorajar os excursionistas de um dia.
“Estou aqui há 30 anos e costumava ser muito diferente. Antes, Veneza era realmente romântica”, disse. “Agora são apenas pessoas apressadas que compram um kebab, fazem uma selfie na ponte de Rialto e depois correm para apanharem o comboio. Não me parece que realmente desfrutem.”.