A experiência do cinema-paisagem

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Estamos na encosta oeste da Ilha do Pico. A noite já caiu. Aos poucos, descemos uma estrada. Descemos como só se desce nos Açores. Vamos mesmo lá em baixo. A escuridão só se interrompe pela luminosidade das estrelas e pelas luzes das vilas que se avistam do outro lado, na Ilha do Faial. Apalpamos o caminho, agora a pé. A luz de uma tela — pendurada numa baliza — ilumina aquilo que já foi um campo de futebol. Ao aproximarmo-nos, um vendaval sonoro. São os cagarros, uma ave marinha que utiliza este arquipélago como casa. O som é distinto e inclassificável. Irá acompanhar-nos em toda a nossa jornada, em especial nesta noite mágica. Por momentos, parece que vamos fazer uma crónica científica da fauna e flora desta região, mas estamos mesmo a descrever esta experiência singular da Miragem — Mostra de Filmes na Paisagem, que aconteceu na Ilha do Pico, entre 26 e 30 de agosto. A proposta é (aparentemente) simples: projetar sessões de cinema em lugares improváveis, no meio da generosa paisagem da ilha. Trata-se, na verdade, de uma experiência que nos permite repensar o lugar do cinema, obrigando-nos a reflectir sobre o papel das imagens em movimento e da sua enorme potência para nos religar com aquilo que está à nossa volta. É também um lugar de uma comunidade por vir — discreta, mas curiosa; pequena, mas cheia de calor humano —, uma comunidade de existência precária, mas onde podem acontecer pequenos milagres. Cortesia da generosidade delicada de Rita Morais e de Kate Sargaço-Gomes, as organizadoras, duas mulheres bravas e cheias de amor pelo cinema.

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