Que PRR para os cuidados aos mais velhos?
O paradigma atual na Europa é o de privilegiar a manutenção do indivíduo na comunidade, de preferência socialmente ativo. Para tal, é fundamental investir no apoio aos cuidadores informais e num apoio domiciliário eficaz.
417 milhões de euros do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) são para o desenvolvimento dos equipamentos e respostas sociais dirigidas a todas as faixas etárias, até 2026, aparecendo a melhoria das diversas formas de cuidados de longo prazo a idosos logo em primeiro lugar no rol dos objetivos assumidos.
Com base nos dados do Relatório do Envelhecimento de 2021 da Comissão Europeia, a despesa pública em cuidados de longo prazo em percentagem do PIB em Portugal – 0,4% – está muito abaixo da média da União Europeia – 1,7%. As Estatísticas da Saúde da OCDE de 2020 mostram que a proporção das despesas em cuidados de longo prazo cobertas por financiamento público se situa num nível muito baixo em Portugal, comparativamente com os restantes países analisados (ver OECD, 2020, Assessing the comparability of Long-Term Care spending estimates under the Joint Health Accounts Questionnaire, Figura 2.4). Estes indicadores indiciam que há necessidades importantes que ficam por satisfazer.
Os cuidados de longo prazo a idosos têm uma componente de saúde pública e outra de cuidados sociais. Os cuidados sociais destinam-se a ajudar as pessoas que têm dificuldades em desempenhar algum tipo de tarefas fundamentais do dia-a-dia, desde as mais básicas, como vestir-se ou alimentar-se, até mais complexas, como cozinhar ou fazer compras. O setor dos cuidados sociais, sobretudo a vertente de lares para idosos, ganhou mediatismo com a dureza dos danos que a pandemia lhe infligiu, saindo da obscuridade a que tradicionalmente está devotado.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde, o envelhecimento saudável não é aquele em que se vive sem doenças, mas aquele em que se mantém a capacidade de fazer o que se valoriza. Neste sentido, os prestadores de cuidados sociais são parceiros essenciais. Além disso, o paradigma atual na Europa é o de privilegiar a manutenção do indivíduo na comunidade, de preferência socialmente ativo. Para tal, é fundamental investir no apoio aos cuidadores informais e num apoio domiciliário eficaz.
Na generalidade dos países europeus, os cuidadores informais, isto é, não profissionais, asseguram a maior parte dos cuidados sociais prestados. Contudo, em diferentes proporções, esses cuidados informais são complementados com cuidados formais. Fazendo uso da informação da sexta vaga do inquérito europeu SHARE, em Portugal, 9,3% das pessoas com 50 anos ou mais têm necessidades de cuidados satisfeitas apenas com cuidados informais, e 3,2% têm necessidades satisfeitas com uma combinação de cuidados formais e informais. O reconhecimento do estatuto de cuidador informal em 2019 foi um marco importante. Contudo, o número de pessoas com esse estatuto em Portugal é ainda diminuto.
Sabendo que a generalidade das pessoas prefere manter-se nas suas casas do que ser institucionalizada, em consonância com a visão estratégica internacional, é surpreendente que a taxa de utilização das soluções residenciais disponibilizadas em Portugal seja consideravelmente superior à dos cuidados domiciliários. É necessário analisar os motivos desta diferença. As razões possíveis prendem-se com fatores como os custos relativos de cada uma destas soluções ou a adequação dos cuidados prestados num e noutro tipo de serviços. Por exemplo, pessoas que necessitam de elevada intensidade de cuidados terão dificuldade em encontrar resposta acessível ao nível dos cuidados domiciliários. O bem-estar das pessoas com necessidades de cuidados exige que se atue profundamente neste domínio.
O plano de utilização dos fundos do PRR prevê investimentos no alargamento dos equipamentos sociais e no apoio à aquisição de viaturas elétricas para as entidades prestadoras de serviços domiciliários exercerem a sua atividade, mas há que garantir que o tipo e a qualidade dos serviços prestados são os adequados às necessidades dos nossos idosos.
No mesmo plano também se refere o desenvolvimento de uma nova geração de apoio domiciliário com recurso a meios digitais, coadunando-se com o requisito que a União Europeia impôs à aprovação de Planos de Recuperação e Resiliência nacionais de 20% dos fundos serem aplicados em projetos que apoiem a digitalização. Na verdade, este é um caminho promissor para o setor dos cuidados sociais.
Nalgumas experiências estimuladas pelos confinamentos associados à covid-19, as tecnologias funcionaram como solução para a manutenção de acompanhamento básico e de facilitação do contacto visual entre as pessoas. Mas é possível ir-se mais longe. Pode tratar-se de algo tecnologicamente simples, como registos digitais dos utilizadores de cuidados, o que facilita a monitorização, a partilha de informação e a coordenação entre diferentes serviços. No tocante aos cuidadores, podem desenvolver-se sistemas de tele-assistência, para formação e aconselhamento. A um nível mais sofisticado, aparece o uso de robótica e outros equipamentos assistenciais, crescentemente implementado com o objetivo de aumentar o conforto e a segurança das pessoas com necessidades. Porém, há riscos associados a ter em conta, nomeadamente a perda de contacto humano, a perda de privacidade e a existência de falhas técnicas. Adicionalmente, algumas barreiras de curto prazo podem levar tempo a ser ultrapassadas, como sejam a inexistência de infraestruturas digitais e a resistência à adoção de novos procedimentos.
Haverá que destacar os benefícios para as partes envolvidas, cuidar de minorar os riscos e garantir o envolvimento de todos os atores na definição das regras. Depois, há que fazer uma avaliação honesta e regular do real impacto destas medidas no bem-estar das pessoas com necessidades de cuidados e dos cuidadores.
Paula Cristina Albuquerque é professora no Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade de Lisboa e investigadora no SOCIUS – centro de investigação integrado no consórcio em Ciências Sociais e Gestão (CGS-ISEG-Universidade de Lisboa). A Economia do Envelhecimento constitui a sua área de investigação principal, na qual tem publicado capítulos de livros e artigos em revistas científicas nacionais e internacionais. Tem sido responsável pela organização regular do International Workshop on the Socio-Economics of Ageing, desde 2009
A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico