O regresso às viagens

A viagem é uma moderna alegoria da caverna, que nos obriga a sair da nossa esfera e a compreender a nossa insignificância perante a imensidão e riqueza que se encontram além-fronteiras.

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Nuno Ferreira Santos

Faço parte de uma privilegiada geração que cresceu numa Europa sem fronteiras, que assistiu à ascensão das companhias áreas low cost e à queda vertiginosa dos preços das viagens de avião, que se habituou a ter o mundo na palma da mão, como quem diz num qualquer ecrã com ligação à internet.

Com o surgimento de uma pandemia a nível global, para além das questões de saúde pública, o confinamento e as imposições limitaram-nos a quatro paredes, reduzindo drasticamente o espaço de conforto. O ano de 2020 foi para muitos portugueses o ano de redescobrir o país e, para os que as têm, de usufruir das segundas habitações e casas de família. Claro está que uns tantos não deixaram de viajar para o exterior, aceitaram as condições e seguiram caminho. Não foi o meu caso, nem de muitos outros, bem sei.

Este ano, após a vacinação completa e com um certificado válido, pus-me outra vez à estrada. Reencontrei-me por fim com o acto de ir e não voltar, de permanecer noutro lugar e, como uma criança que se espanta com o mundo pela primeira vez, voltei a ter o caminho pela frente. Não é sobre a distância, é sobre a capacidade de ultrapassar os limites do que nos é conhecido e familiar.

Não é ao acaso que a chamada Grand Tour se popularizou entre a aristocracia e burguesia europeia, tomando maiores proporções durante o século XIX, a par com o desenvolvimento ferroviário. Os jovens embarcavam numa viagem que durava de alguns meses a anos pela Europa, sendo um marco na sua formação.

É preciso ver o mundo para fazermos verdadeiramente parte dele e o compreendermos. A viagem é uma moderna alegoria da caverna, que nos obriga a sair da nossa esfera e a compreender a nossa insignificância perante a imensidão e riqueza que se encontram além-fronteiras. Ter um conhecimento vasto do que nos circunda, da história e dos feitos de outras civilizações, são os grandes pilares para a inovação. Só conhecendo o passado e o presente podemos pensar no futuro.

Somos sempre outros em viagem, como canivetes suíços em que o sentido de orientação, a leitura de mapas e a aptidão para línguas são as melhores ferramentas. Somos exploradores, capazes de nos embrenhar em novas culturas, de nos perdermos na observação dos costumes e das vivências de outros povos. Aprendemos novas palavras, encontramos novos sabores. Adaptamos-mos a novas rotinas e, se ficarmos tempo suficiente num sítio, somos capazes de começar a pensar noutro idioma. Enfrentamos problemas que só a nossa capacidade de superação é capaz de solucionar. Ouvimos novas músicas, para sempre associadas a um lugar no tempo.

Nós, os viajantes, temos a alma como uma manta de retalhos, feita de outros lugares e histórias de viagens, que se entrelaçam e nos formam num todo. Somos feitos de infinito, de portas abertas, de um mundo por descobrir. É essa a magia de viajar. E embora não estejamos sempre por aí, a simples possibilidade da viagem é-nos fundamental, faz parte, é como respirar.

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