Jornalistas independentes na Rússia pedem fim de perseguição governamental
O Kremlin tem utilizado cada vez mais a polémica lei sobre “agentes estrangeiros” para pressionar os poucos meios de comunicação independentes.
Vários meios de comunicação independentes russos pediram o fim daquilo que caracterizam como perseguição ao jornalismo pelo Governo, através da atribuição do rótulo de “agente estrangeiro” a qualquer órgão com ligações a outros países.
A carta aberta publicada na sexta-feira junta cerca de uma dezena de organizações como a Novaya Gazeta e os sites de investigação Meduza e TV Rain que fazem um apelo directo ao Governo de Vladimir Putin para retirar de uma extensa lista os nomes de jornalistas e meios de comunicação considerados “agentes estrangeiros” e “organizações indesejáveis”.
“Estamos convencidos que estes actos fazem parte de uma campanha coordenada para destruir os media independentes russos, cuja ‘culpa’ se resume ao cumprimento dos seus deveres profissionais de forma honesta para com os seus leitores”, lê-se na carta citada pelo Guardian.
Há muito que o Kremlin utiliza a legislação sobre “agentes estrangeiros” – com o objectivo de registar representantes de interesses estrangeiros no país – para pressionar os poucos meios de comunicação independentes que subsistem na Rússia. Mas nos últimos meses, com a aproximação de importantes eleições legislativas, num contexto de perda de popularidade do partido Rússia Unida, no poder, essa perseguição tem sido intensificada.
Desde que chegou ao poder, Putin tem retirado cada vez mais espaço aos media independentes, ao mesmo tempo que foi promovendo uma paisagem mediática maioritariamente ao serviço do Kremlin ou sob a sua influência directa. O regime russo considera legítima a interferência junto dos meios de comunicação por estar convicto de que outras potências, como os EUA, também o fazem para difundir as narrativas que lhes sejam mais convenientes.
A atribuição do rótulo de “agente estrangeiro” a um jornalista ou a um meio de comunicação não corresponde a uma proibição de trabalhar, mas implica vários obstáculos que, por vezes, levam ao encerramento de algumas empresas. Foi o que aconteceu com o VTimes, um jornal especializado em economia, que em Junho fechou, três semanas depois de integrar a lista de “agentes estrangeiros”. A direcção do jornal alegou que os seus jornalistas enfrentavam o risco permanente de serem processados pelo seu trabalho.
A declaração de um órgão de comunicação como “agente estrangeiro” também traz implicações financeiras para as empresas, que frequentemente se vêem privadas de contratos de publicidade por causa do estigma associado. Vários jornalistas relatam igualmente dificuldade no acesso a fontes por integrarem a lista.
Os critérios para que jornalistas ou meios de comunicação sejam declarados “agentes estrangeiros” são pouco claros e dão azo a abusos. É o Ministério da Justiça que decide quem integra a lista e, segundo o seu porta-voz, quase qualquer contacto com organizações estrangeiras pode ser justificação para a inclusão.
Frequentemente, aquilo que os jornalistas e os órgãos visados têm em comum é a publicação de investigações e notícias que desagradam a Putin e aos membros do seu círculo mais próximo, sobretudo a revelação de esquemas de corrupção.
A participação de um jornalista em visitas promovidas por uma entidade estrangeira, o pagamento de uma viagem para, por exemplo, receber um prémio no estrangeiro e até a recepção de dinheiro de amigos ou familiares fora da Rússia, podem servir para que um jornalista seja declarado “agente estrangeiro”, disse recentemente o porta-voz do Ministério da Justiça, Roman Tsyganov, citado pela Rádio Europa Livre.