Barragem do Pisão poderá ser “um buraco de consequências sem retorno”
A GEOTA “condena” a intenção de construção da barragem e alerta para a “necessidade” de uma avaliação ambiental estratégica, assim como a divulgação do projecto, que “continua a não estar disponível” para consulta pública e que contará com um investimento de 120 milhões de euros.
O Grupo de Estudos de Ordenamento do Território e Ambiente (GEOTA) alertou esta terça-feira que a construção da barragem do Pisão, no Alentejo, poderá ser “um buraco de consequências sem retorno”, exigindo ao Governo a divulgação do projecto.
Em comunicado, o GEOTA diz que o Governo tenciona avançar com o projecto do Empreendimento de Aproveitamento Hidráulico de Fins Múltiplos do Crato (Portalegre), mais conhecido por barragem do Pisão, inserido no Programa Nacional de Regadios, mesmo” sem terem sido estudadas todas as alternativas e consequências”.
A GEOTA “condena” a intenção de construção da barragem e alerta para a “necessidade” de uma avaliação ambiental estratégica, assim como, a divulgação do projecto, que contará com um investimento de 120 milhões de euros, financiado pelo Plano de Recuperação e Resiliência (PRR).
“O Aproveitamento Hidráulico de Fins Múltiplos do Crato, popularmente conhecido como Barragem do Pisão, remonta a um projecto original dos anos 40 que, até à data, não foi alvo de estudo de impacte ambiental, nem de um processo de consulta pública. O GEOTA condena a falta de transparência deste processo e não compreende que se ignore a legislação existente”, pode ler-se no documento.
O GEOTA recorda que o projecto da barragem, cuja documentação “continua a não estar disponível” para consulta pública, prevê a inundação de “10 mil hectares” onde está instalada a aldeia do Pisão, o que “obrigará” à relocalização da sua população.
“Como forma de compensação, foram feitas promessas de que a população da região beneficiará com o desenvolvimento das actividades agrícola, agro-alimentar e turística”, acrescentam.
Citada no documento, a coordenadora do projecto Rios Livres, do GEOTA, Catarina Miranda, afirma que as “promessas de compensação” feitas pelo Governo são uma “nuvem de fumo” que vão “seguir o exemplo” do Alqueva, onde, quase duas décadas depois, a população “já não tem o dinheiro das indemnizações, continua sem terras, sem emprego e muitos já partiram da região”, tal como “mostram” os Censos de 2021, que revelam uma “diminuição de 10%” da população do concelho de Portel (Évora).
“É verdadeiramente triste ver que estes investimentos beneficiam grandes explorações agrícolas, deixando de parte os produtores locais”, afirma a responsável, citada no documento.
O GEOTA acrescenta ainda que a região do Alentejo e a bacia do Tejo são, actualmente, “alvo de exploração agrícola intensiva”, que é “responsável pelo consumo de 75% da água”, provocando “impactos profundos” no solo, na “diminuição” da qualidade da água e na “perda” de biodiversidade.
“Ao apostar no regadio e na agricultura em modo intensivo, o Governo português vai contra estratégias europeias como o Green Deal, a estratégia Farm to Fork (do Prado ao Prato), a Directiva Quadro da Água e a Estratégia Europeia para a Biodiversidade, que apelam à preservação dos ecossistemas e à biodiversidade, alertando para a necessidade de desenvolver sistemas agro-alimentares sustentáveis”, alertam.
No dia 30 de Julho, no Crato, o primeiro-ministro, António Costa, presidiu à cerimónia de lançamento do projecto da barragem do Pisão e à assinatura do respectivo contrato de financiamento.
O contrato, no valor de 120 milhões de euros, foi assinado entre a estrutura de missão Recuperar Portugal e a Comunidade Intermunicipal do Alto Alentejo (CIMAA).
No global, está previsto que envolva um investimento de 171 milhões de euros, dos quais 120 milhões estão inscritos no PRR.
As obras de construção vão arrancar até 2023, para que o empreendimento possa entrar em “pleno funcionamento” em 2026, segundo afirmou o presidente da Câmara do Crato, Joaquim Diogo.
Segundo a CIMAA, a futura estrutura vai beneficiar cerca de 110 mil pessoas nos 15 municípios do distrito de Portalegre e o seu “principal objectivo é garantir a disponibilidade de água para consumo urbano”.
Além disso, visa “reconfigurar a actividade agrícola e criar oportunidades para novas actividades económicas, nomeadamente ao nível da agricultura, do turismo e no sector da energia”, já que engloba também uma central fotovoltaica flutuante (cujo financiamento ficou de fora do PRR).