Paulo e Ricardo criaram a Livraria Aberta para “todas as pessoas que estão à margem”
Paulo e Ricardo idealizaram uma livraria queer, “na forma mais abrangente possível” da palavra, e encontraram na rua do Paraíso, no Porto, o espaço ideal. A Livraria Aberta identifica-se com “todas as pessoas que estão à margem, seja de que tipo de margem for”.
A Livraria Aberta, no Porto, é um espaço minimalista, luminoso e deliberadamente despojado que mais parece uma galeria de arte — o que agrada aos proprietários, Paulo Brás e Ricardo Braun, desde sempre ligados às artes. Gostam mais ainda da definição dada por uma visitante que caracterizou o lugar como “livraria pela dignidade humana”.
Paulo e Ricardo abriram as portas do espaço, na Rua do Paraíso, precisamente no Dia Internacional do Orgulho LGBTI+, 28 de Junho, assumindo a diferença perante as restantes livrarias da cidade. Os donos aceitam o rótulo de livraria temática queer, desde que a palavra seja usada na forma mais abrangente possível. “A palavra queer, na academia, tem uma abrangência muito maior do que a palavra queer na sociedade. Queer está muito presa à questão sexual. Mas é muito mais abrangente do que isso. Não deve ser um chapéu para as identidades sexuais. Tem antes a ver com todas as pessoas que estão à margem, seja de que tipo de margem for”, diz Paulo.
Ao contrário do que se poderia presumir, as obras não são todas de autores LGBTI+, nem os temas o são. Mas todos os livros têm uma ligação a indivíduos ou temas marginalizados ou fragilizados. É com base nesse conceito abrangente que os dois amantes da literatura criteriosamente escolhem os livros que compõem o catálogo da livraria.
Não é, pois, de estranhar a convivência de obras como o Bom Crioulo, de Adolfo Caminha, Dias da Noite, de Silvina Ocampo, Quarto de Despejo, de Carolina Maria de Jesus, e até mesmo o clássico Primo Basílio, de Eça de Queirós. E nem mesmo as crianças são esquecidas neste espaço do Porto, existindo uma secção infantil com livros que abordam os temas da diferença e da igualdade.
Quanto ao facto de a selecção ser um pouco mais restrita do que nas livrarias tradicionais, Paulo considera que tal deve ser encarado de uma forma positiva, porque assim conseguem “dar destaque aos livros que realmente [lhes] interessam”.
A pretensão da Livraria Aberta é, como o próprio nome indica, ser aberta a todos. “Fechar-se numa determinada comunidade seria um claro contra-senso a nível do conceito”, afirma Paulo. Os mentores do projecto esperam transformar o espaço numa livraria de bairro, onde todos se sintam confortáveis para entrar, onde todos vivenciem um momento de prazer, partilha e discussão em redor dos livros. No entanto, como refere Paulo, todos sabem ao que vão. “Conhecem os nossos princípios e têm de respeitar toda a gente”, sublinha.
Ter uma livraria nunca foi o sonho de nenhum dos dois responsáveis. Existia, isso sim, a vontade de dar vida a um projecto comum, de criar um espaço que pudessem chamar “deles” e onde tivessem “liberdade para criar, fazer e receber”. E onde, simultaneamente, pudessem passar a mensagem que quisessem, acrescenta Paulo Brás. “Mas tanto podia ser uma livraria como uma biblioteca ou, até mesmo um espaço para performances”, refere.
Foi o background do casal que os levou até à escolha da livraria. Paulo Brás é investigador na área da literatura e colaborou durante sete anos com a cooperativa Bairro dos Livros, no Porto. Lidou com muitos livreiros da cidade, o que naturalmente orientou a escolha. Já Ricardo Braun, ligado à encenação e ao teatro, foi determinante na visão do espaço, que se queria “leve e portátil”, facilmente transformável para os futuros eventos que pretendem realizar.
Embora ambos adorassem o que faziam, Paulo e Ricardo, respectivamente 32 e 35 anos, acharam que tinha chegado o momento. Em pleno confinamento, largaram os empregos precários na área da cultura e avançaram juntos nesta aventura, neste projecto de vida, alheios aos constrangimentos ocasionados pela pandemia ou à crise que assola as pequenas livrarias. A médio e longo prazo, a Livraria Aberta espera poder editar livros de autores desconhecidos ou autores do domínio público cujas obras já não se encontram tão facilmente.
Texto editado por Ana Maria Henriques