Choveu no ponto mais alto da calota polar da Gronelândia — e nunca tinha acontecido

A 14 de Agosto, choveu durante várias horas no cume da calota polar, tendo as temperaturas permanecido acima de zero. Precipitação e temperaturas mais elevadas do que o normal causaram o derretimento de neve numa área cerca de quatro vezes superior ao tamanho do Reino Unido.

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Imagem de satélite mostra o degelo na Gronelândia COPERNICUS SENTINEL-2/Reuters

Pela primeira vez na história, caiu chuva no ponto mais alto da enorme calota polar da Gronelândia, onde as temperaturas são normalmente abaixo de zero, o que leva os especialistas a concluírem que a precipitação no pico mais alto — que atinge os 3216 metros de altitude — é um forte sinal das alterações climáticas.

A chuva caiu durante várias horas no cume da calota polar a 14 de Agosto, tendo as temperaturas permanecido acima de zero durante cerca de nove horas, segundo os investigadores do Centro Nacional de Dados sobre Neve e Gelo da Universidade do Colorado. Segundo o diário britânico The Guardian, os cientistas não tinham sequer aparelhos para a medir a tão inesperada precipitação.

De acordo com o diário britânico, o fenómeno ocorreu num de três dias excepcionalmente quentes na Gronelândia — entre 14 e 16 de Agosto —, altura em que as temperaturas registadas nalguns locais foram 18 graus Celsius mais elevadas do que a média. A chuva e as temperaturas elevadas causaram, assim, o derretimento de neve numa área cerca de quatro vezes superior ao tamanho do Reino Unido.

No total, segundo a agência Reuters, caíram sete mil milhões de toneladas de chuva — a maior quantidade de chuva desde 1950 — na totalidade do território da Gronelândia durante estes três dias.

Degelo e alterações climáticas 

O relatório recente do Painel Intergovernamental sobre Alterações Climáticas (IPCC) concluiu que é “inequívoco” que as emissões de dióxido de carbono que resultam das actividades humanas estão a aquecer o planeta e a causar consequências como o degelo e o aumento do nível do mar.

Em Maio, investigadores alertaram que uma parte significativa da camada de gelo da Gronelândia estava a aproximar-se de um ponto de inflexão, a partir do qual o degelo se tornaria inevitável mesmo que o aquecimento global fosse travado.

“O que está a acontecer não é simplesmente uma ou duas décadas quentes num padrão climático errante. Isto não tem precedentes. Estamos a cruzar limiares que não eram observados há milénios e, francamente, isto não vai mudar até ajustarmos o que estamos a fazer [à qualidade do] ar”, afirmou à CNN Ted Scambos, cientista do Centro Nacional de Dados sobre Neve e Gelo da Universidade do Colorado, que reportou o fenómeno.

“Isto não é um sinal saudável para uma camada de gelo”, destacou também à Reuters Indrani Das, especialista do Observatório Terrestre Lamont-Doherty da Universidade de Colúmbia. “Água [a cair] no gelo não é bom… torna a camada de gelo mais propensa ao derretimento da superfície”, acrescentou. 

A água que resulta do gelo derretido é depois transportada até ao oceano, o que faz com que o nível do mar suba. Até ao momento, os cientistas estimam que o derretimento da camada de gelo na Gronelândia — a segunda maior do mundo a seguir à Antárctica — foi responsável por cerca de 25% do aumento do nível do mar globalmente nas últimas décadas. À medida que as temperaturas sobem, é esperado que essa percentagem aumente.

Fenómenos cada vez mais frequentes

Em Julho, a Gronelândia também registou um episódio de degelo em larga escala, quando derreteu gelo suficiente num dia para cobrir o estado norte-americano da Florida de água com cinco centímetros de profundidade. Tais fenómenos fazem de 2021 um de apenas quatro anos no último século (além de 2019, 2012 e 1995) em que foram observados fenómenos de degelo tão generalizados.

A causa do degelo em Julho e agora em Agosto foi a mesma: massas de ar quente e húmido que foram transportadas até à Gronelândia e que cobriram temporariamente a ilha. De acordo com os cientistas citados pelo The Guardian, estes eventos não são incomuns, mas estão a tornar-se cada vez mais severos.

“Esta chuva alarmante no cume da Gronelândia não é um evento isolado”, afirmou à Reuters Twila Moon, cientista do Centro Nacional de Dados sobre Neve e Gelo. Juntamente com as cheias, incêndios e outros eventos extremos cada vez mais frequentes, estes fenómenos assinalam a necessidade urgente de reduzir as emissões de gases com efeito de estufa.

“Temos mesmo de nos focar em adaptar e em reduzir o potencial de estes eventos se tornarem realmente devastadores”, concluiu.

Se toda a camada de gelo da Gronelândia derretesse, o nível do mar em todo o mundo subiria cerca de seis metros, embora isto pudesse demorar séculos ou milénios a ocorrer. Porém, os milhares de milhões de toneladas de gelo que derreteram na Gronelândia desde 1994 estão já a aumentar o nível do mar e a colocar em risco cidades costeiras em todo o mundo.

Segundo o IPCC, o nível do mar já subiu 20 centímetros e é provável que até ao final deste século suba entre 28 e 100 centímetros (ou até mesmo 200 centímetros).

Os investigadores estimam que a camada de gelo na Gronelândia está a derreter mais rápido do que em qualquer outro momento dos últimos 12 mil anos. Em 2019, o degelo ocorreu a uma média de cerca de um milhão de toneladas por minuto.

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