Dezenas de quadros falsos de Malangatana eram vendidos por milhares em leilões online. Falsificadores detidos

Polícia Judiciária apreendeu 35 obras forjadas a trio de criminosos, um deles com 79 anos. Ícone da arte africana moderna, o pintor morreu em 2011 em Matosinhos.

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NUNO FERREIRA SANTOS
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Um homem de 79 anos faz parte de um grupo criminoso que se dedicava a transaccionar quadros falsos do pintor moçambicano Malangatana, que morreu em 2011. Juntamente com um casal, ele de 43 e ela 51 anos, são suspeitos de terem vendido dezenas de quadros em leilões online, no valor de milhares de euros.

A Judiciária apreendeu 35 obras forjadas, mas os criminosos terão fabricado muitas mais. Nenhum dos quadros era uma cópia de um original, explicou o inspector da Polícia Judiciária que chefia a brigada de obras de arte desta polícia, Domingos Lucas: os falsários inspiraram-se no estilo de Malangatana para criarem novas composições a partir de detalhes dos originais. Reuniram imagens de diferentes obras e criaram quadros novos, cuja assinatura eram semelhantes às do autor moçambicano mas não totalmente coincidente. 

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“Estes indivíduos actuavam de forma concertada, pelo menos desde 2016, utilizando leiloeiras online para o escoamento destas pinturas falsas, vendidas por preços elevados. A investigação prossegue no sentido de retirar do mercado outras pinturas falsas atribuídas a Malangatana e vendidas pelo grupo criminoso nos últimos anos”, detalha esta polícia.

Na realidade, apenas uma pessoa se queixou à Judiciária até agora e mais nenhum lesado foi ainda identificado. Foi a partir desta queixa, feita por um coleccionador de arte que estranhou ver o mercado a ser inundado por quadros do mesmo artista e a um preço inferior ao de mercado, que os inspectores desencadearam a investigação. Os peritos a que recorreram confirmaram que a obra comprada pelo queixoso era falsa e a partir daí foram desenrolando o novelo que lhes permitiu chegar primeiro ao idoso e depois ao casal, em cuja residência foi encontrado material de pintura, além de várias telas prontas. Algumas delas tinham sinais de já terem estado emolduradas, mas, tal como na residência do septuagenário, eram todas falsificações. 

Se foi o casal a pintar todos os quadros ou se recorreu a mais alguém é algo que as autoridades por enquanto ignoram. A investigação prossegue para apurar este e outros factos. Domingos Lucas deixa uma recomendação óbvia mas que nem sempre é cumprida: “Quem adquire pintura deve recorrer a leiloeiras que lhe dêem garantias de autenticidade das obras”. Nenhum dos três suspeitos tem cadastro nem ligações ao mundo artístico. 

Não é a primeira vez que as autoridades detectam falsificações do artista, que foi um ícone da arte africana moderna com as suas figuras pintadas em tons quentes e que se dedicava também à poesia, dança, teatro, escultura e música. 

Um dos filhos do artista, Manguiza Ngwenha, explicou ao PÚBLICO que a família de Malangatana tem vindo a colaborar com as autoridades portuguesas ao longo dos últimos anos no sentido de confirmar ou não a legitimidade de determinadas obras. “Acho que ainda estão para ser descobertas falsificações de maior qualidade”, diz, adiantando que diferem destas agora reveladas por serem cópias praticamente exactas dos trabalhos originais. 

Manguiza Ngwenha, que recorda a indignação com que o pai reagia a este fenómeno, não acredita que os galeristas que transaccionam este tipo de material ignorem aquilo com que estão a lidar. E explica que esta vaga de falsificações atingiu não só Malangatana mas também outras figuras suas contemporâneas, como Chichorro. 

Malangatana conheceu os grandes nomes da arte portuguesa da sua época  Júlio Pomar, Nikias Skapinakis, Nadir Afonso, Dórdio Gomes. Depois de ter sido preso pela PIDE e de ter estado encarcerado dois anos – escreveu poemas de resistência à colonização , Malangatana tornou-se bolseiro da Fundação Calouste de Gulbenkian no início dos anos 70, tendo estudado gravura com João Hogan e cerâmica com Querubim Lapa.

Num leilão de trabalhos de artistas lusófonos realizado em Maio passado em Nova Iorque, pela Bonhams, um quadro seu sobre a independência de Moçambique foi a obra a atingir o valor mais elevado: quase nove mil dólares (7430 euros).

Nomeado Artista pela Paz pela Unesco, o artista moçambicano morreu em Matosinhos aos 74 anos, depois de ter visto a sua obra exposta em museus e galerias públicas de todo o mundo, bem como em várias colecções privadas. Em Portugal, país com o qual manteve uma estreita relação, recebeu a medalha da Ordem do Infante D. Henrique e um doutoramento honoris causa em Évora.

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