Há duzentos anos a abolição das touradas já era motivo de debate parlamentar em Portugal
Proposta de Borges Carneiro chumbou. Houve quem votasse contra por achar que a sociedade ainda não estava preparada ou por ter essa “fraqueza” das touradas. Que voltam nesta quinta-feira ao Campo Pequeno, com protesto à porta.
Passam esta quarta-feira 200 anos sobre o debate, nas Cortes Constituintes, de um projecto de lei de Borges Carneiro para a proibição dos espectáculos tauromáquicos, no mesmo dia em que a Federação Portuguesa de Tauromaquia (Pró Toiro) anunciou que, depois de “vários adiamentos” provocados pela pandemia, a temporada taurina em Lisboa tem início nesta quinta-feira com uma corrida de touros à portuguesa, sendo a época composta por seis espetáculos. À margem da função está marcado nas imediações da praça do Campo Pequeno, um protesto do colectivo pró-veganismo Acção Directa.
“Os homens não devem combater com os brutos, e é horroroso estar martirizando o animal, cravando-lhe farpas, fazendo-lhe mil feridas, e queimando-lhe estas com fogo: tão bárbaro espectáculo não é digno de nós, nem da nossa civilização”, disse há dois séculos Borges Carneiro. Em sentido contrário, vários deputados argumentaram com a tradição e popularidade do espectáculo, mas também pela existência de outros costumes que agridem os animais, como a caça ou, noutros países as “carreiras de cavalos e o combate dos galos”.
Manuel Fernandes Tomás, confessando ser “amigo deste divertimento”, referiu então que não se podia, de repente, transformar o país numa “Nação de filósofos”, sendo necessário preparar a sociedade. “Na teoria sou dos mesmos sentimentos filantrópicos; mas na prática não posso. Confesso a minha fraqueza: vou ver os touros todos os domingos”.
Serpa Machado também fez uma intervenção com pontos em comum. “Eu não seria de opinião que desde já fossem proibidas as festas de touros, porque ainda não é tempo; é necessário ir preparando os costumes. Entretanto apoio que o projecto vá à discussão, não para se abolir esse espetáculo, senão para diminuir a sua barbaridade. Vamos por ora preparando os costumes, que lá virá tempo em que ele caia por si mesmo”, disse o parlamentar.
No final, o projecto de lei de Borges Carneiro para a extinção das touradas seria rejeitado, mas as touradas foram mesmo abolidas pelo Governo de Passos Manuel, em 1836. Muito impopular a medida foi revogada cerca de dois anos depois, mas foi deixando de haver morte do touro na arena, definitivamente proibida em 1928 e objecto das duas execpções consagradas em 2002 para Barrancos e Monsaraz.
As posições diversas que, no Parlamento e na sociedade portuguesa, 200 anos depois desta sessão de 4 de Agosto de 1821 das Cortes Constituintes, se fazem hoje ouvir sobre o futuro das touradas, entre defensores e críticos, permitem antever que o inicio da temporada, nesta quinta-feira, vai ser polémico. Contactado pela agência Lusa, o promotor dos festejos no Campo Pequeno, Luís Miguel Pombeiro, da empresa Ovação e Palmas, explicou que a praça vai contar com uma lotação máxima de “três mil lugares”, o que equivale a 50% do máximo total, assegurando ainda que vão ser seguidas “todas” as regras de segurança impostas pela Direção-Geral da Saúde (DGS) por causa da pandemia.
A corrida vai reunir em praça, a partir das 21h30, os cavaleiros António Ribeiro Telles, Marcos Bastinhas e Francisco Palha, pegam os forcados Amadores de Lisboa e Coruche e são lidados seis toiros da ganadaria de Canas Vigouroux.
“A Tortura volta ao Campo Pequeno. Das poucas vantagens que esta pandemia trouxe, talvez o adiamento/cancelamento das touradas tenha sido o melhor que aconteceu. Mas os bárbaros não ficaram quietos... Houve algumas ‘festas’ tauromáquicas, touradas à porta fechada, em herdades particulares... mas nada que lhes inflame o ego sedento de sangue e ovações. Na próxima quinta-feira, a partir das 19h30 lá estaremos à entrada do Campo Pequeno, para mostrar, uma vez mais, que basta de touradas em Portugal. Que Tourada não é Cultura! ”, lê-se na convocatória publicada no Facebook pelo grupo Acção Directa.
Manuela Gonzaga, candidata do PAN à Câmara de Lisboa, anunciou, com a oficialidade de um acto de agenda, que estará no protesto. “Os elementos do PAN – Pessoas – Animais – Natureza respeitarão todas as medidas de segurança e combate à covid-19, nomeadamente uso de máscara, distanciamento social, etiqueta respiratória e higienização e desinfeção das mãos”, refere o comunicado enviado às redacções. com A.V.