Dezenas de corpos encontrados no rio entre a Etiópia e o Sudão
Algumas das vítimas têm ferimentos de bala ou as mãos amarradas, mas também há corpos que se percebe terem sido atingidos com machados. Refugiados etíopes tem enterrado os que conseguem retirar do rio.
Pelo menos 50 corpos, aparentemente de pessoas que fugiam da guerra na região etíope de Tigré, foram encontrados a flutuar no rio entre o Sudão e a Etiópia pelas autoridades da província sudanesa de Kassala e por refugiados etíopes. A descoberta foi revelada à Associated Press por um responsável sudanês, que descreveu, sob anonimato, como algumas das vítimas tinham feridas de bala ou as mãos atadas. Uma conta de Twitter criada pelo Governo da Etiópia diz que estes relatos não passam de uma campanha “de propaganda” lançada pelas forças tigrés.
Dois etíopes que prestam cuidados médicos num dos campos de refugiados na fronteira, junto à vila de Hamdayet, confirmaram ter visto os corpos no rio Setit (Tekeza, para os etíopes). Os corpos começaram a aparecer na semana passada; os últimos dois foram descobertos na segunda-feira: um de um homem com as mãos amarradas e outro de uma mulher com um ferimento no peito, contou à agência Tewodros Tefera, um cirurgião que fugiu de Humera, em Tigré.
Segundo Tewodros, que partilhou um vídeo de homens que preparavam uma mortalha para um corpo que flutuava de bruços no rio, outros refugiados enterraram pelo menos dez cadáveres. “Estamos a cuidar dos corpos avistados pelos pescadores”, disse. “Suspeito que há mais corpos no rio.”
Os corpos estão a aparecer a jusante de Humera, uma das principais cidades de Tigré e uma das que mais terá resistido às forças enviadas no início de Novembro de 2020 pelo primeiro-ministro etíope, Abiy Ahmed, para combater a Frente de Libertação do Povo Tigré (FLPT), que governava a região.
As autoridades etíopes e combatentes da minoria amhara (as milícias da região aliaram-se às forças federais no conflito) foram acusados por refugiados de expulsarem habitantes tigré para ocupar as suas casas e terras, para além de serem suspeitas de envolvimento em vários massacres da comunidade tigré. O rio atravessa algumas das áreas onde terão tido lugar duros confrontos e onde os militares e os seus aliados são acusados de atrocidades contra a população tigré.
Não é fácil identificar os corpos, mas um deles, afirmou Tewodros, tinha o nome Tigrinya, muito comum na língua tigré, tatuado no braço. Outro médico que trabalha em Hamdayet e viu estes corpos disse à AP que alguns tinham marcas faciais que indicam pertencer à etnia tigré. “Vi muitas coisas bárbaras. Alguns foram atingidos por machados”, descreveu. Pessoas que têm tentado recuperar corpos disseram-lhe que não têm conseguido retirar do rio todos os que avistaram por causa da forte corrente durante a estação das chuvas, disse ainda o médico.
Abiy enviou as suas forças para Tigré a pretexto de ataques das FLPT a bases militares federais na região. O conflito matou milhares e obrigou dezenas de milhares a fugir para o Sudão. De acordo com a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional, há 900 mil pessoas a passar fome em Tigré – o Governo de Abiy continua a limitar o acesso da ajuda à região de 6 milhões de pessoas.