Presidente afegão culpa retirada “abrupta” dos EUA pelo rápido avanço dos taliban
Washington diz-se pronto a receber mais milhares de refugiados afegãos para além dos 20 mil que já pediram asilo no programa destinado aos intérpretes que trabalharam com as forças norte-americanas.
No discurso que acompanhou a apresentação do seu plano de segurança ao Parlamento (não foram tornados públicos quaisquer pormenores) o Presidente do Afeganistão, Ashraf Ghani, prometeu vencer o conflito cada vez mais generalizado com as milícias taliban, garantindo que a situação estará “sob controlo em seis meses”.
Confirmando que os Estados Unidos lhe têm garantido todo o apoio, o chefe de Estado também apontou o dedo aos norte-americanos: “A razão para a situação actual é que a decisão foi tomada de forma abrupta”, disse, sobre a retirada das tropas dos EUA, acrescentando que avisou Washington que a saída teria “consequências”.
A retirada total das tropas dos EUA do Afeganistão só estará concluída no fim de Agosto, mas o momento mais importante, do ponto de vista operacional e simbólico, aconteceu há precisamente um mês, quando saíram os últimos soldados que estavam na base militar de Bagram, durante quase 20 anos o centro de comando da mais longa guerra em que os EUA já se envolveram. Dias depois, o novo comandante da base aérea, o general Mir Asadullah Kohistani, disse que as forças americanas se limitaram a desligar a luz e saíram sem aviso.
Depois de já terem aumentado com o acordo alcançado entre os taliban e os EUA, em Fevereiro de 2020, e com a confirmação do calendário da retirada, em Abril, os ataques do movimento fundamentalista islâmico intensificaram-se ainda mais. A semana passada, a ONU afirmou o seu temor que um número “sem precedentes de civis” seja morto ou ferido em 2021.
Os taliban reivindicam já o controlo de vastas áreas do país e capturaram nas últimas semanas vários postos fronteiriços: estimativas independentes indicam que o grupo conquistou mais território nos últimos dois meses do que no total das duas décadas anteriores, desde que foram expulsos do poder pela intervenção internacional liderada pelos americanos em resposta aos atentados do 11 de Setembro.
Até agora, grande parte dessas conquistas tinha acontecido em território rural, fora das capitais de província, mas durante o fim-de-semana foi lançado um ataque contra o aeroporto da segunda maior cidade afegã, Kandahar, que foi a capital dos taliban entre 1996 e Dezembro de 2001. O Exército afegão está especialmente preocupado com a situação “crítica” em três províncias do Sul e do Ocidente do país: para além de Kandahar, estão em risco Herat e Lashkar Gah.
Face a estes desenvolvimentos, Joe Biden prometeu não abandonar o aliado e os EUA têm apoiado as forças afegãs com ataques aéreos nos principais focos de combate, como Lashkar Gah.
Ghani não deu mais explicações sobre o seu plano para pôr fim à ofensiva taliban. Depois da intervenção, as duas câmaras do Parlamento divulgaram um comunicado onde expressam o apoio “firme” ao Presidente, aos direitos humanos, à liberdade de expressão e aos militares afegãos, “que sacrificam a vida pela nação”.
Em resposta, os taliban desvalorizaram as palavras de Ghani, falando em “declarações sem sentido”, destinadas a “tentar controlar o seu mau estado mental e os seus erros”.
Tendo em conta a deterioração da segurança no país, o Departamento de Estado norte-americano prepara-se para anunciar um novo programa para acolher refugiados afegãos. O objectivo é alargar os critérios de ilegibilidade para pedir asilo de forma a incluir “mais alguns milhares de afegãos e as suas famílias nucleares que podem estar em risco por causa da sua colaboração com os EUA”.
Até agora, quase 20 mil afegãos, que trabalharam como intérpretes ou guias dos militares, já pediram protecção aos EUA: 200 chegaram na sexta-feira à Virgínia, onde vão esperar pelos seus familiares, e 4000 estão na fase final do processo de avaliação, enquanto mais uns 15 mil aguardam a sua vez para começar o longo processo de verificações e entrevistas.