Detenção de deputados na Tunísia causa preocupação e críticas
O Presidente, Kais Saied, ainda não nomeou um primeiro-ministro. Prometeu lutar contra a corrupção, mas os primeiros detidos foram opositores. EUA pedem que o país “volte ao caminho da democracia”.
Passada cerca de uma semana desde que o Presidente da Tunísia, Kais Saied, suspendeu o Parlamento e demitiu o primeiro-ministro, Hichem Mechichi, o cargo do chefe do Executivo está ainda por preencher e uma série de detenções no fim-de-semana levaram observadores a expressar a sua preocupação, diz o diário francês Le Monde.
Ignorando as críticas de que levou a cabo um golpe de Estado feitas pelo partido de inspiração islamista Ennahda, o Presidente, eleito com mais de 70% dos votos em 2019, foi para a rua em Tunes onde foi aplaudido: muitos tunisinos apoiam-no, diz o New York Times. “O que é que a democracia nos conseguiu dar?”, perguntou um dos inquiridos à jornalista do diário norte-americano. A desilusão com a classe política é grande, e o Presidente não fazia parte desta elite.
Quando anunciou a suspensão do Parlamento, Saied disse que iria assumir a liderança do executivo com a ajuda de um novo primeiro-ministro, mas ainda não o nomeou.
Suspendeu também a imunidade dos membros do Parlamento, e durante o fim-de-semana, foram detidos dois deputados do partido ultraconservador Al-Karama, aliado do Ennahda, que criticaram a acção do chefe de Estado dizendo tratar-se de um golpe. Antes, na sexta-feira, foi preso o deputado independente Yassine Ayari, que denunciou “um golpe de Estado militar”. A prisão foi feita com base numa condenação do final de 2018 por ter criticado o Exército. A prisão de Ayari levou a condenações da Human Rights Watch e da Amnistia Internacional.
No plano internacional, Saied recebeu o apoio do Egipto e da Argélia, que prometeram ajudar a “manter a estabilidade” do país. Mas dos EUA veio um pedido para que a Tunísia “volte depressa ao caminho da democracia”. O apoio internacional é essencial para o país, que precisa de verbas externas para evitar a bancarrota.
O Presidente nomeou, até agora, um novo ministro do Interior e criou uma comissão especial para lidar com a covid-19 (a Tunísia está a ser duramente afectada pela pandemia). Prometeu ainda lutar contra a corrupção no país que, tal como a desigualdade, é um problema que deu origem à revolução de 2011 e que apesar disso não desapareceu.
As detenções “representam um erro estratégico” e “não estão em conformidade com o discurso do Presidente”, disse o analista político Slaheddine Jourchi à AFP. “Toda a gente esperou que ele começasse com os dossiers complicados de corrupção e levasse a cabo uma batalha contra as pessoas que se sabe estarem envolvidas, mas estas primeiras detenções foram de opositores.”
O Presidente recebeu jornalistas para uma entrevista, incluindo o New York Times, citando uma frase do antigo Presidente francês Charles de Gaulle. “Por que pensam que, aos 67, eu iria começar uma carreira como ditador?” No entanto, rapidamente a jornalista percebeu que tinha sido convidada não para uma entrevista, mas para “uma aula”, sem direito a perguntas.<_o3a_p>
Saied aprovou ainda um decreto segundo o qual as medidas de emergência poderiam estar em vigor durante mais do que os 30 dias anunciados originalmente – e que são também o prazo dado pela Constituição para que dure a suspensão do Parlamento.
Críticos, especialistas em direito constitucional, e opositores questionam se Saied não está a ir além dos limites da Constituição, diz o New York Times. Mas sem um tribunal constitucional, que não chegou a ser criado, não há quem possa emitir um veredicto sobre a questão.