A chuva estragou os planos de Liliana Cá

Lançadora portuguesa apontava ao recorde nacional e às medalhas, mas uma queda na zona de lançamentos limitou-a para o resto da final. “Ao deslizar, a minha rótula saiu do lugar.”

Foto
Liliana Cá foi quinta na final do lançamento do disco EPA/DIEGO AZUBEL

Não há nada pior do que a chuva para as provas técnicas de atletismo. Simplesmente não são compatíveis. A chuva começou a cair de forma torrencial sobre o Estádio Olímpico de Tóquio poucos minutos antes do momento em que Liliana Cá ia fazer o seu terceiro lançamento na final olímpica do disco. Terá havido alguma hesitação na interrupção da prova e a portuguesa avançou para o lançamento. Escorregou e foi nulo. Logo a seguir, o concurso foi interrompido. Quando foi retomado, cerca de meia hora depois, Liliana Cá já não era a mesma atleta confiante nas suas capacidades de bater recordes e ganhar medalhas.

A lançadora terminou no quinto lugar da final do lançamento do disco em Tóquio, o melhor resultado de sempre para uma portuguesa nesta disciplina em Jogos Olímpicos. Mas esta foi uma final que mudou completamente de direcção com a chuva. Liliana Cá estava em crescendo, com um primeiro lançamento seguro para marcar posição (62,31m) e um segundo um pouco mais longe (63,93m), mas a água começou a cair do céu japonês. A chinesa Chen Yang foi a primeira vítima do dilúvio, sendo a primeira a escorregar na zona de lançamento.

Depois, foi Liliana Cá a escorregar quando estava a fazer a rotação e a queda teve consequências graves. “Estava a sentir-me bem, a tentar melhorar o que tinha feito. Depois da queda, tive de ligar o pé e fazer gelo no joelho direito. Ao deslizar, a minha rótula saiu do lugar um bocadinho e depois voltou ao lugar”, contou a atleta no final. Quando a competição retomou, Liliana voltou a ter o terceiro lançamento, mas foi o primeiro de três nulos consecutivos, tentados em sofrimento, e já não fez o sexto lançamento a que ainda tinha direito.

A lançadora de 34 anos estava em Tóquio com ambição de bater o seu próprio recorde nacional (66,40m) feito em Março passado e tinha a convicção de que uma marca desta grandeza daria para uma medalha. Tinha razão. O seu recorde nacional daria para a medalha de bronze, já que o bronze da cubana Yaime Pérez foi conquistado com um lançamento a 65,72m. Quanto aos lugares mais altos, foram para a norte-americana, que lançou a 68,98m e ficou com o ouro, enquanto a alemã Kristin Pudenz ficou a prata graças a um novo recorde pessoal de 66,86m.

O quinto lugar conseguido no Japão não foi o suficiente para satisfazer a lançadora. “Estou feliz com o resultado, mas não estou tão feliz como poderia estar. Eu conseguia fazer mais, estava-me a sentir bem, mas aquela queda condicionou-me bastante, fiquei muito insegura e com bastantes dores”, lamentou Liliana Cá. O treinador Luís Herédio, a observar na bancada, disse-lhe que não havia mal nenhum se desistisse. “Quando ele me disse isso, eu fiquei a chorar, porque não sou de desistir. Mas não deu mesmo.”

A brincadeira não acabou

Liliana Cá está a cumprir uma espécie de segunda vida competitiva, ela que mostrara muita promessa em início de carreira. A vida levou-a por outros caminhos e para outro país (viveu em Inglaterra), nunca deixando, no entanto, de praticar atletismo, e, em 2016, regressou em definitivo a Portugal. “Quando voltei, era mesmo só para brincar. Só que a brincadeira começou a ir demasiado longe”, disse a lançadora.

Longe é mesmo a palavra-chave da história de Liliana Cá. Foi com o recorde de 66,40m que a atleta bateu um recorde do atletismo com mais de duas décadas. Foi essa a marca que a trouxe a Tóquio e era essa a marca que esperava bater. Só que veio a chuva na hora errada e deu-lhe cabo dos planos, deixando-lhe um sabor de missão incompleta. “Não tenho razões para estar frustrada, mas gosto de fazer as coisas até ao fim. Deixar as coisas a meio aperta-me o coração. Se começo a pensar em poderia ou devia… Não gosto disso.”

Os feitos de Liliana Cá no lançamento do disco estão a ultrapassar os de uma grande lançadora portuguesa com um enorme coração chamada Teresa Machado, que chegou a ser recordista nacional em três especialidades – martelo, peso e disco. Esteve em quatro Jogos Olímpicos, em dois campeonatos do mundo e três campeonatos da Europa e a melhor classificação que conseguiu foi um sexto lugar nos Mundiais de Atenas em 1997. Teresa Machado foi uma campeã em condições difíceis e teve um final de vida complicado, mas teve sempre uma enorme generosidade com as jovens que lhe podiam suceder.

Liliana Cá era uma delas e, no momento em que fez melhor que ela numa grande competição recordou-a: “A última vez que falei com ela foi em Aveiro, há dois anos, nos campeonatos de Portugal, ela disse que nos tínhamos muita sorte em ter as condições, porque no tempo dela, ela não tinha nem metade dos nossos materiais, aproveitem e treinem. Quando eu era miúda, ela dizia que queria que eu batesse o recorde nacional dela. Ela sempre disse que queria que alguém viesse e fizesse melhor do que ela.”

Sugerir correcção
Ler 10 comentários