Laurel Hubbard só fez história nos Jogos
A halterofilista da Nova Zelândia tornou-se na primeira atleta transgénero a competir nos Jogos Olímpicos, mas falhou os três levantamentos e ficou em último na sua categoria.
Em Jogos Olímpicos, quem tem uma acreditação terá sempre a porta aberta em todos os estádios ou pavilhões em que se disputam provas, com algumas excepções. Para eventos como as finais da natação, a final dos 100m, do basquetebol masculino ou da ginástica artística é preciso um bilhete que nem sempre é fácil de arranjar - são os chamados eventos “high demand”. E os jornalistas que estão em Tóquio precisam de marcar diariamente os eventos que desejam cobrir. Nesta sexta-feira, não houve evento olímpico mais desejado por jornalistas de todo o mundo do que o halterofilismo feminino.
O PÚBLICO registou o seu pedido de acesso na plataforma para o efeito, mas o pedido foi rejeitado, tal como terão sido milhares de outros. Havia, por certo, muita gente a querer assistir de perto a um pedaço de história olímpica. Laurel Hubbard, halterofilista da Nova Zelândia, iria tornar-se na primeira atleta transgénero da história dos Jogos Olímpicos, competindo na categoria mais pesada, os +87kg.
A neozelandesa fez, de facto, história. Competiu e abriu portas a outros desportistas transgénero nos Jogos, mas falhou as três tentativas (uma a 120kg e duas a 125kg) na primeira metade do concurso e ficou em último.
Hubbard, que era um nome considerado para o pódio na categoria, acabou com um DNF (Did Not Finish) ao lado do nome na lista de participantes e ficou de fora da luta pelas medalhas, que seriam distribuídas pela chinesa Wenwen Li (ouro), pela britânica Emily Jade (prata) e pela norte-americana Sarah Robles. Quando falhou a última tentativa, que significava a sua saída de prova (tem de haver, pelo menos, um levantamento válido), agradeceu ao público, fez um coração com as mãos e saiu de cena.
E a neozelandesa mostrou-se agradecida por estar nos Jogos, uma decisão que gerou uma enorme discussão sobre a inclusão de atletas transgénero nas grandes competições. “Claro que não sou indiferente à controvérsia que rodeou a minha participação nestes Jogos. E, como tal, quero agradecer ao Comité Olímpico Internacional (COI) porque foram fiéis aos princípios do olimpismo e mostraram que o desporto é para todos. É inclusivo. E é acessível”, disse a atleta após concluir a prova.
A inclusão de Hubbard nos Jogos Olímpicos gerou enorme polémica. Os defensores da decisão entendem que Hubbard, por se identificar como mulher, tem o direito de competir como mulher. Os críticos consideram que a atleta tem uma vantagem injusta em relação às suas adversárias porque teve um desenvolvimento hormonal de um homem antes de se assumir como mulher, mesmo que depois tenha cumprido uma terapia hormonal.
Antes de fazer a transição, Hubbard, actualmente com 43 anos, foi halterofilista e chegou a ser recordista júnior da Nova Zelândia, mas abandonou o desporto aos 23. Quando fez a transição para mulher em 2012, iniciou uma terapia hormonal e, em 2017, começou a competir em provas femininas de halterofilismo, conquistando uma medalha de prata nos Mundiais desse ano, em Anaheim. Seguiram-se múltiplos títulos em diversas competições, incluindo duas medalhas de ouro nos campeonatos da Oceânia e uma nos Jogos do Pacífico.
Depois da inclusão de Hubbard nos Jogos, é expectável que o COI apresente nos próximos meses uma série de recomendações para a inclusão de atletas transgénero no desporto. “Acho que toda a gente concorda que as mulheres trans são mulheres”, refere Richard Budgett, director médico e científico do COI citado pelo The Guardian. “É um assunto difícil e complexo. O COI não define regras sobre a participação de atletas transgénero. Depende de cada federação. Mas Laurel Hubbard é uma mulher que está a competir de acordo com as regras da sua federação e temos de prestar homenagem à sua coragem e tenacidade”, acrescentou.