Governo de Malta responsabilizado pela morte da jornalista Daphne Caruana Galizia
Inquérito independente diz que foi criada uma “cultura de impunidade” que levou ao assassínio da jornalista de investigação. Primeiro-ministro pediu desculpas à família de Caruana Galizia.
Um inquérito independente responsabilizou o Estado de Malta pelo assassínio da jornalista Daphne Caruana Galizia, que investigava casos de corrupção, em 2017, por ter criado uma “cultura de impunidade”.
Daphne Caruana Galizia era a jornalista que liderava a investigação aos Panama Papers em Malta. Sob suspeita estavam crimes de corrupção que envolveriam a elite política maltesa, incluindo do Partido Trabalhista de Joseph Muscat, que em 2017 foi forçado a convocar eleições antecipadas perante a sucessão de notícias.
Foi assassinada em Outubro de 2017, quando saía de casa, na explosão de um carro armadilhado. Em Dezembro, os suspeitos de terem posto a bomba foram presos; um declarou-se culpado depois de um acordo e cumpre 15 anos de prisão, os outros dois aguardam julgamento. Um outro homem confessou ter sido o intermediário entre quem mandou assassinar a jornalista e os que mataram, e está a testemunhar depois de um acordo que lhe garantiu um perdão.
O Ministério Público acredita que o empresário Yorgen Fenech, que tinha ligações a altos responsáveis governamentais, tenha ordenado o homicídio. Fenech aguarda julgamento enquanto nega qualquer responsabilidade. Ao saber da provável detenção, Fenech tentou marcar um voo privado, e foi detido quando se preparava para entrar no seu iate, em Novembro de 2019, estando desde então em prisão preventiva.
O Parlamento de Malta vai reunir-se esta sexta-feira para discutir o resultado do inquérito publicado na véspera, feito por um juiz no activo e dois juízes reformados, e que diz que os mais altos escalões do governo no poder na altura criaram uma “cultura de impunidade”. “Os tentáculos da impunidade espalharam-se para outros organismos de regulação e para a polícia, levando a um colapso do Estado de direito”. O Estado falhou ao não reconhecer os riscos reais e imediatos para Caruana Galizia e ao não tomar quaisquer passos para os evitar.
O primeiro-ministro, Robert Abela, que sucedeu a Muscat em 2020, disse numa conferência de imprensa que gostaria de pedir desculpas à família de Caruana Galizia e a todas as pessoas que tenham sido afectadas pelo falhanço do Estado. “O assassínio foi um capítulo negro na história de Malta e seria uma vergonha se não tivessem sido aprendidas nenhumas lições”, declarou.
A família de Caruana Galizia disse, em comunicado, esperar que as conclusões do inquérito levassem ao restaurar do Estado de direito em Malta, à protecção efectiva para jornalistas, e “ao fim à impunidade de que continuam a gozar os responsáveis corruptos que instigaram a morte de Daphne”.
A oposição notou que vários ministros do governo de Muscat continuam nos seus cargos. “Robert Abela tem de se assegurar de que alguém arca com a responsabilidade desta cultura de impunidade”, disse o líder da oposição, Bernard Grench.
Muscat, que se demitiu em Janeiro de 2020 após acusações nos media e pela oposição de que teria dado apoiado a pessoas ligadas ao assassínio, reagiu numa publicação no Facebook: “O relatório mostra inequivocamente que eu não estive de modo nenhum implicado no assassínio (...) e o inquérito concluiu que o Estado não teve conhecimento prévio nem esteve envolvido no assassínio”.
Após o crime, foram reveladas ligações próximas entre Fenech, vários ministros, e altos responsáveis da polícia.
O inquérito concluiu que era claro que o assassínio de Daphne Caruana Galizia tinha sido ligado, de modo directo ou intrínseco, ao seu trabalho de investigação de corrupção.
No relatório, os juízes pediram acção imediata contra as ligações entre políticos e empresários.