Suspeitas de favorecimento a empresa de sondagens contratada por ex-assessor de Johnson
Empresa dirigida por ex-colega de Dominic Cummings na campanha Vote Leave, a favor do “Brexit”, foi contratada por 580 mil libras, sem ter havido concurso, para fazer estudos de opinião sobre a resposta do Governo à pandemia e sobre a oposição.
A empresa fundada por Paul Stephenson, ex-director de comunicações da Vote Leave – uma das principais campanhas pela saída do Reino Unido da União Europeia no referendo de 2016 – foi contratada pelo Governo britânico por 580 mil libras (cerca de 682 mil euros), em Março do ano passado, para levar a cabo estudos de opinião sobre a resposta de Downing Street à pandemia de covid-19 e sobre a avaliação política dos principais líderes da oposição.
A contratação da agência de comunicação Hanbury Strategy – cujos serviços já tinham sido requisitados na campanha do Partido Conservador para as eleições legislativas de 2019 – foi ordenada por Dominic Cummings, ex-conselheiro especial de Boris Johnson e antigo colega de Stephenson na Vote Leave, num processo que dispensou concurso e que está a levantar suspeitas de favorecimento e de utilização indevida de dinheiros públicos para obtenção de vantagens políticas.
“A Hanbury quantifica comportamentos sobre figuras políticas, algo que não deveria fazer recorrendo a dinheiro do Governo, mas foi isso que lhe foi pedido e é uma batalha que penso que será difícil de lutar”, lê-se num email trocado entre dois funcionários públicos governamentais, citado pelo Guardian.
Entre os dirigentes da oposição que foram objecto de estudos de opinião pela empresa de Stephenson, destacam-se o líder do Partido Trabalhista, Keir Starmer, e o presidente da câmara de Londres, Sadiq Khan, também trabalhista.
O conteúdo do email acima referido, enviado a 26 de Maio do ano passado, foi revelado durante uma audiência em tribunal, na passada sexta-feira, no âmbito do processo judicial movido pela organização sem fins lucrativos Good Law Project, que acusa o Governo de “parcialidade” na contratação da Hanbury Strategy.
As obrigações normais do Governo britânico na definição dos requisitos legais para um concurso público e competitivo, tendo em vista a contratação de serviços externos, foram, no entanto, suspensas, no âmbito da imposição do estado de emergência, informa o diário britânico.
Entre os documentos tornados públicos no contexto do processo destaca-se um outro email, enviado no dia 20 de Maio de 2020 por Cummings a Alex Aiken – responsável pelas comunicações do Cabinet Office – a solicitar a aceleração do processo de contratação da empresa de Stephenson e a garantir que tinha autorização de Boris Johnson para o fazer.
“URGENTE: Alex, por favor assinem imediatamente o orçamento para o Paul S poder avançar HOJE com as nossas sondagens em larga escala. Se alguém do CABOFF [Cabinet Office] se queixar diga-lhe que recebi a ordem do PM [primeiro-ministro]”, pediu o antigo assessor, dispensado em Novembro do ano passado e que tem feito revelações explosivas e altamente críticas sobre o Governo e o primeiro-ministro que serviu durante vários meses.
Em sua defesa, Dominic Cummings lembra que “pediu ajuda a muita gente” no âmbito do combate à pandemia, incluindo “epidemiologistas” e “gestores de projecto”, e explica que, de acordo com a sua “opinião de especialista”, a Hanbury era a empresa mais apropriada para, começando a trabalhar “no imediato”, ajudar o Governo com “sondagens, recolha de informação e concepção de modelos”.
Já a Hanbury defende-se com o trabalho realizado, realçando, os riscos reputacionais de ter respondido a uma proposta feita com “muito pouca antecedência”.
“O nosso trabalho contribuiu para aquilo que foi uma campanha de comunicação de saúde pública altamente bem-sucedida e que preveniu, indubitavelmente, muitas mortes”, reagiu um porta-voz da empresa, afiançando que a Hanbury Strategy “voltaria a tomar a mesma decisão” para “ajudar neste tempo de crise”.
A contratação da Hanbury Strategy aconteceu numa das fases do combate à pandemia em que Downing Street recebeu mais críticas, internas e externas, incluindo a desvalorização da gravidade da doença, a falta de planeamento no estabelecimento de medidas restritivas e de medidas de protecção dos profissionais de saúde e a resistência pouco criteriosa à imposição de confinamentos.
Numa sessão parlamentar de inquérito conjunta das comissões de Saúde, Ciência e Tecnologia da Câmara dos Comuns do Parlamento, no final de Maio, o próprio Cummings admitiu que “dezenas de milhares de pessoas que não tinham de morrer morreram” com covid-19 e que o Governo de Johnson tinha ficado “desastrosamente aquém” daquilo que lhe foi exigido pela população.