“Pela primeira vez, o Peru será governado por um camponês”, afirma Castillo

O antigo professor primário rural tomou posse como Presidente do Peru, num ambiente rodeado de incerteza e em que a estabilidade parece longínqua.

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Pedro Castillo prometeu uma nova Constituição para combater desigualdades sociais ANGELA PONCE / Reuters

Foi com a promessa de mudanças profundas que Pedro Castillo tomou posse esta quarta-feira como Presidente do Peru. “É a primeira vez que este país será governado por um camponês”, declarou, garantindo que pretende responder aos anseios das classes mais desfavorecidas.

“A população pede mudanças e não está disposta a renunciar a isso”, afirmou Castillo, no seu discurso de tomada de posse, que coincidiu com as comemorações do bicentenário da declaração da independência do Peru. Na primeira declaração como chefe de Estado, o antigo professor primário de 51 anos não abdicou do chapéu de abas largas que se tornou na sua imagem de marca e ajudou a que, de personalidade praticamente desconhecida do grande público, chegasse em poucos meses à presidência.

No entanto, apesar das garantias dadas por Castillo de que a chegada da esquerda ao poder significa uma nova etapa na História do Peru, são mais as interrogações do que as certezas que rodeiam o futuro. Uma das principais dúvidas não foi sequer desfeita no dia da tomada de posse: a composição do Governo. Esperava-se que os nomes dos novos ministros fossem revelados esta quarta-feira, mas Castillo decidiu adiar a tomada de posse por dois dias.

A imprensa peruana interpretou o adiamento como um sinal de que as negociações entre Castillo e a liderança do Peru Livre, o partido pelo qual foi eleito, estão a ser mais difíceis do que o esperado. Em causa está um braço-de-ferro entre o novo Presidente e o líder do partido, Vladimir Cerrón, um político com um discurso mais radical do que Castillo, com simpatias pelos regimes de Cuba e da Venezuela. Nas últimas semanas, Castillo tem tentado mostrar uma face conciliadora e moderada para acalmar os receios do mercado financeiro e, para isso, queria evitar entregar ministérios importantes a dirigentes do Peru Livre.

Outra grande dúvida é a capacidade de Castillo e do seu Governo em conseguir promover a elaboração de uma nova Constituição. A bancada governamental no Congresso é minoritária e os analistas prevêem uma relação contenciosa entre executivo e legislativo.

Fim do impasse

Não foi fácil a caminhada do professor primário até à Casa de Pizarro. Só há uma semana é que as autoridades eleitorais confirmaram a sua vitória, mais de um mês depois da segunda volta das eleições presidenciais. Os resultados preliminares punham Castillo à frente da sua adversária, Keiko Fujimori, filha do ditador Alberto Fujimori, por apenas 44 mil votos.

A margem reduzida foi usada por Fujimori, que tentava ser eleita pela terceira vez, e pelos seus aliados para contestar a vitória de Castillo. Dezenas de recursos depois, todos amplamente rejeitados pela justiça eleitoral, e de inúmeras manobras para tentar virar o jogo, o Peru pôde finalmente dar posse ao seu primeiro presidente com origem nas classes populares.

Pedro Castillo, nascido há 51 anos na província de Cajamarca, uma região montanhosa no Norte do país, foi o improvável vencedor das eleições presidenciais mais surpreendentes dos últimos anos no Peru. A seu favor, Castillo contou com a enorme fragmentação na primeira volta, em que participaram 18 candidatos, nenhum dos quais investido de favoritismo. O sentimento de repúdio pela classe política tradicional, afundada em escândalos contínuos de corrupção, e a frustração deixada pelo enorme impacto humano e económico da pandemia fizeram o resto.

Foi com este pano de fundo que um candidato como Castillo encontrou o sucesso. Prometeu aos peruanos uma nova Constituição, na qual os interesses das classes mais baixas terão centralidade, e afirmou-se como uma voz contra o centralismo de Lima, de que o seu percurso como professor primário em escolas em meios rurais é o principal atestado.

Castillo herda um país profundamente dividido, como ficou patente nos resultados eleitorais. Na capital, Lima, Keiko Fujimori foi a mais votada, enquanto a chave da vitória do professor primário foi a falange de apoio recolhido nas zonas rurais e da selva. Para além disso, a História recente do Peru mostra que pouca coisa deve ser dada como adquirida, a começar desde logo pela permanência do presidente no cargo: os últimos três chefes de Estado antes de Francisco Sagasti foram afastados pelo Congresso. Talvez por isso, Castillo tenha encerrado o seu discurso inaugural com um apelo à “grande unidade nacional”.

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