Ramalho Eanes defende que Otelo “tem direito a lugar de proeminência” na História

Antigo chefe de Estado atribui, contudo, a Otelo a “autoria de desvios políticos perversos, de nefastas consequências”.

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Eanes e Otelo em 2016, na cerimónia evocativa dos 40 anos das primeiras eleições presidenciais em democracia, nas quais foram adversários dro Daniel Rocha

O ex-Presidente da República Ramalho Eanes defendeu nesta segunda-feira que Otelo Saraiva de Carvalho, falecido no domingo, tem direito a um “lugar de proeminência histórica”, apesar “da autoria” do que considerou “desvios políticos perversos, de nefastas consequências”.

“Para mim, e apesar de todas as contradições, o Otelo tem direito a um lugar de proeminência histórica. E tem esse direito, apesar da autoria de desvios políticos perversos, de nefastas consequências, porque foi ele quem liderou a preparação operacional do 25 de Abril, a mobilização dos jovens capitães, o comando da operação militar bem-sucedida”, defendeu o general Ramalho Eanes, num texto enviado à agência Lusa.

Ramalho Eanes assinalou que “há homens que, num momento histórico especial, se ultrapassam, ganhando dimensão nacional, indiscutível, porque souberam perceber e explorar uma oportunidade histórica única, e sentir os anseios mais profundos do seu povo”. “Otelo é uma dessas personalidades. A ele a pátria deve a liberdade e a democracia. E esta é dívida que nada, nem ninguém, tem o direito de recusar”, sublinhou.

No mesmo texto, o ex-Presidente da República afirmou-se “magoado” e “surpreendido” pela morte do “Capitão de Abril”. “Magoou-me, por se tratar de mais um amigo que parte. Surpreendeu-me, porque estive, recentemente, com o Otelo, no funeral da sua mulher, e achei-o, naturalmente, abatido, mas, aparentemente, com vigor e saúde”, disse.

Recordou que conheceu Otelo na Guiné-Bissau, onde o foi substituir na Direcção da Secção de Radiodifusão e Imprensa do Comando-Chefe, remontando a essa época a amizade entre os dois. “Tornámo-nos amigos. Foi, aliás, essa amizade que me levou a testemunhar em seu favor no julgamento a que foi submetido, apesar de muitos reparos e apelos para que o não fizesse”, lembrou.

Eanes evocou o amigo como “um homem bom, generoso, embora, por vezes, pouco prudente, pouco realista - contraditório, mesmo”, assinalando também a paixão que tinha pela representação. “Até na vida real, esquecendo que a representação exige um espaço delimitado, em que tudo o que aí é normal não o é na vida real”, afirmou.

Otelo Saraiva de Carvalho, militar e estratego do 25 de Abril de 1974, morreu no domingo de madrugada aos 84 anos, no Hospital Militar, em Lisboa.

Nascido em 31 de Agosto de 1936 em Lourenço Marques, actual Maputo, Moçambique, Otelo Nuno Romão Saraiva de Carvalho teve uma carreira militar desde os anos 1960, fez uma comissão durante a guerra colonial na Guiné-Bissau, onde se cruzou com o general António de Spínola, até ao pós-25 de Abril de 1974.

No Movimento das Forças Armadas (MFA), que derrubou a ditadura de Salazar e Caetano, foi o encarregado de elaborar o plano de operações militares.

Depois do 25 de Abril, foi comandante do Copcon, o Comando Operacional do Continente, durante o Processo Revolucionário em Curso (PREC), surgindo associado à chamada esquerda militar, mais radical, e foi candidato presidencial em 1976.

Na década de 1980, o seu nome surge associado às Forças Populares 25 de Abril (FP-25 de Abril), organização armada responsável por dezenas de atentados e 14 mortos, tendo sido condenado, em 1986, a 15 anos de prisão por associação terrorista. Em 1991, recebeu um indulto, tendo sido amnistiado cinco anos depois, uma decisão que levantou muita polémica na altura.

O funeral de Otelo Saraiva de Carvalho realiza-se na quarta-feira, no crematório de Cascais, em Alcabideche, estando em câmara ardente na Capela da Academia Militar, em Lisboa, a partir das 16h30 de terça-feira.