O que queres ser quando cresceres?

As empresas já estão a evoluir, mas o que é que as escolas e a academia estão a fazer em relação a isto? Há um grande desfasamento entre a procura (empresas) e a oferta (jovens formados).

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Nelson Garrido

A pergunta que todos fazemos e as expectativas que projectamos nas crianças e nos jovens é espelho de um sistema educativo desajustado do mercado de trabalho. Já não importa a escolha de uma profissão, mas sim descobrir qual a sua missão e propósito. Nesse sentido, o presente e o futuro do trabalho apontam para a preponderância das soft skills, da inteligência emocional, da criatividade, do espírito empreendedor, do pensamento crítico e das competências tecnológicas na formação das novas gerações. Então, não deveria ser esta a base do ensino?

O ensino como está desenhado (que remonta ainda à época pós-industrial) já não nos serve e temos vários factos que o justificam. O desemprego jovem tem vindo a aumentar (22,3% entre os jovens até aos 24 anos, segundo o INE), apesar de ser uma camada da população caracterizada pelo elevado grau de habilitação académica. Os jovens chegam ao mercado de trabalho e nunca são “demasiado bons” para desempenhar as infindáveis funções que são exigidas. Mas será que a responsabilidade é deles? Há oportunidades de trabalho, e prova disso são os inúmeros headers de pequenas e médias empresas e multinacionais com centenas de vagas disponíveis em Portugal. O que não se verifica é um sistema de ensino capaz de capacitar os jovens para o mercado de trabalho presente.

Actualmente, o contexto político-social é caracterizado pela imprevisibilidade e a incerteza em relação ao futuro, que ganharam proporções que nunca esperávamos. Importa por isso reagir e reajustar os modelos de ensino para preparar as gerações futuras para os desafios vindouros. Os ciclos de mudança são cada vez mais curtos e acelerados e as competências técnicas não são as mais indicadas para que se consigam ultrapassar esses mesmos desafios. É aqui que entra a importância de cultivar a inteligência emocional no percurso escolar, uma ferramenta essencial para se saber lidar com as emoções, sobretudo quando estamos perante uma deterioração da saúde mental, devido ao stress e ansiedade, de 31,8% dos jovens entre os 18 e os 29 anos, segundo um estudo realizado pelo Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA).

Por outro lado, se antes uma profissão era tida como garantida até ao fim dos nossos dias, com uma progressão de carreira dentro da mesma organização, hoje aponta-se para que os jovens tenham pelo menos até 13 postos de trabalho ao longo da vida (segundo a McKinsey), dentro e fora do país de origem. O que os motiva é o desenvolvimento e progressão, o reconhecimento, a autonomia e o equilíbrio entre a vida profissional e pessoal.

As empresas já estão a evoluir, mas o que é que as escolas e a academia estão a fazer em relação a isto? Há um grande desfasamento entre a procura (empresas) e a oferta (jovens formados).

Mais de 60% dos jovens no mundo estão a estudar para profissões que vão desaparecer nas próximas décadas, segundo o relatório The New Work Order, divulgado pela Foundation for Young Australians (FYA). Desta forma, mais do que dotar as crianças e jovens com competências técnicas, ensinamentos estanques e despersonalizados, importa valorizar o seu talento individual, que deve ser promovido e estimulado. Não temos que ser todos médicos, advogados ou engenheiros. Precisamos de mais criativos, de empreendedores e de pessoas que pensem por si mesmas. De pessoas capazes de desempenhar diversas tarefas ao mesmo tempo (multitasking) e que sejam capazes de lidar com as adversidades. As escolas deveriam estar a apostar em ensinar cidadania, soft skills, gestão emocional e conhecimentos com aplicabilidade prática ao longo da vida profissional, que será de índole muito mais humana, uma vez que teremos a tecnologia a facilitar muitas das actividades. É por isso também fundamental o domínio da tecnologia.

As gerações Erasmus são valorizadas no mercado de trabalho e mais aptas para a empregabilidade exactamente por isso. São pessoas que tiveram que adaptar-se aos contextos em que se encontravam e descobriram novos meios para a auto-suficiência. Foram expostas à diferença e à adversidade, adaptando-se e abrindo novos horizontes. Foram obrigados a pensar e a questionar.

Apesar do sistema de ensino ainda estar à procura de respostas, já muitos projectos de cariz privado e de ensino informal estão a testar novos modelos, com resultados positivos. Por exemplo:

  • A Skoola, uma academia de música urbana que potencia o potencial artístico dos jovens para combater a exclusão social em comunidades vulneráveis. Através da valorização do talento, motiva os jovens, o que contribui para evitar o abandono escolar;
  • A <Academia de Código_>, que capacita pessoas em situação de desemprego ou à procura de uma nova carreira através do ensino de programação, ao mesmo tempo que resolve o desafio da falta de profissionais na área das Tecnologias de Informação. 95% dos mais de 1200 ex-alunos já estão empregados e com remunerações médias de primeiro trabalho na ordem dos 1150 euros;
  • A ubbu que ensina programação a alunos do 1.º ao 6.º ano de escolaridade através de um currículo próprio que tem por base matérias de disciplinas como a matemática, ciências, tecnologia, engenharia e os 17 Objectivos para o Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas, para trabalhar o pensamento lógico, a resolução de problemas e uma maior atenção ao planeta. Está comprovada a melhoria das notas de matemática em 17% e 5% na capacidade lógica e algorítmica das crianças;
  • E a Spot Games que produz ferramentas de gamificaçãos digitais, multidisciplinares e com base em cidadania, que permitem a escolas da rede pública introduzir práticas pedagógicas inovadoras e inclusivas no ensino das diferentes disciplinas. Os resultados apontam para uma menor taxa de abandono escolar, maior aproveitamento e jovens mais conscientes e responsáveis.

Estamos a encaminhar os jovens para empregos sem futuro, para empregos que vão acabar, e as consequências, como o desemprego e a pobreza, só vão continuar a aumentar. Há que acabar com o ciclo e oferecer diferentes alternativas para a educação e formação das gerações futuras.

Ao invés de perguntarmos às crianças e jovens o que querem ser daqui a uns anos, quando não temos ainda um ensino oficial ajustado aos novos desafios para lhes oferecer, talvez fosse preferível dotá-los com ferramentas práticas que poderão fazer a diferença para que eles possam decidir como as usar, quando, e com que propósito. Vamos potenciar o seu talento e dar-lhes bagagem para que estejam preparados para o futuro. Num mundo em que a mudança é cada vez mais acelerada, este é o momento para que as políticas públicas se adequem à realidade e às necessidades do mercado de trabalho.

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