Plataformas digitais: regular sem matar
Seria bom que pela vontade de regular não se exterminasse o que de bom trouxeram as plataformas digitais.
Numa parede à entrada do Porto está um daqueles murais com que o PCP quis assinalar 100 anos de existência. A cor vermelha está bem presente, mas a tradicional figura do operário foi substituída por um homem envergando uma daquelas mochilas quadradas utilizadas para transportar comida. A actualização simbólica faz sentido, os trabalhadores das plataformas digitais são, em muitos casos, novos operários, com reduzida protecção legal, a precisar que o sol também brilhe para eles.
O PCP, tal como classificou recentemente o arcebispo de Cantuária, Justin Welby, acredita que o trabalho prestado através das plataformas digitais é “a reencarnação de um mal antigo”. A gig economy, na expressão anglo-saxónica, ainda só vai no princípio da sua história, mas basta ver que a maior parte dos que nos batem à porta para trazer a refeição são imigrantes, população mais sujeita à exploração laboral, para perceber que o risco é óbvio.
É, pois, bem justificável que o Governo esteja a atender aos apelos dos comunistas, mas também dos bloquistas, para reforçar os direitos de quem trabalha através destas plataformas, até porque a isso acabará por ser obrigado pela dinâmica da União Europeia, onde a Comissão tem revelado vontade de actuar nesta matéria. É o pilar social a funcionar.
Mas também seria bom que pela vontade de regular não se exterminasse o que de bom trouxeram estas plataformas. Para os consumidores e para prestadores de serviços – basta pensar no papel da entrega de comida durante a pandemia –, mas também para os trabalhadores que encontram neste tipo de trabalho uma forma de complementar salário, flexibilidade horária, rendimento de emergência ou autonomia.
Apresentadas esta quarta-feira aos parceiros sociais ainda não são conhecidas as propostas concretas das alterações que o Governo quer fazer ao Código do Trabalho, mas será sempre complicado fazer a bissectriz entre a noção de “presunção de laboralidade”, como a considera o representante da Uber em Portugal, como a entende a inspectora-geral da Autoridade para as Condições do Trabalho ou mesmo como é vista à sua esquerda.
Que eles são trabalhadores e detentores de direitos como os outros não deve haver dúvidas e como tal regule-se e vigie-se. Mas não se feche a porta às possibilidades que advém de este não ser trabalho como os outros. Ao executivo, que na anterior legislatura até conseguiu pacificar razoavelmente o sector dos TVDE, exige-se um equilíbrio que não vai ser nada fácil. Venham as propostas, que a discussão segue dentro de momentos.