Há 60 anos, impediram-na de ser astronauta por ser mulher. Agora, Wally Funk é a pessoa mais velha a ter ido ao espaço
Desde a década de 1960 que a piloto Wally Funk tentava ir ao espaço através de um programa privado, mas a NASA não aceitava astronautas mulheres. Tem licença de piloto desde a adolescência, ensinou mais de 3000 pessoas a voar e foi a primeira mulher inspectora de aviação nos Estados Unidos. “Ninguém esperou mais tempo”, considera Jeff Bezos, com quem voou até ao espaço esta terça-feira.
Há seis décadas que a norte-americana Wally Funk esperava pela sua vez de ir ao espaço. Em 1961, a piloto participou num programa espacial privado que tinha como objectivo levar 13 mulheres ao espaço – mas o programa foi cancelado e nenhuma das 13 voou. Com 82 anos, passou a ser agora a pessoa mais velha a ter ido ao espaço – e a proeza foi alcançada ao lado do astronauta mais jovem, Oliver Daemen, de 18 anos. É a sua “missão de vida”, diz a astronauta.
A conquista foi feita a bordo do voo da Blue Origin, em que viajou também Jeff Bezos, o homem mais rico do mundo e fundador da Amazon. Referindo-se a Wally Funk, Bezos decreta que “ninguém esperou mais tempo” e que “chegou a hora” da astronauta alcançar, por fim, o espaço. “Bem-vinda à tripulação, Wally. Estamos entusiasmados por te ter a voar connosco como nossa convidada de honra”, escreveu o também fundador da Blue Origin, Jeff Bezos.
Wally Funk era a melhor aluna do programa privado para mulheres no espaço que ficou conhecido como “Mercury 13”, corria o ano de 1961. O grupo de mulheres passou pelos mesmos testes físicos e psicológicos que os astronautas homens do programa da NASA Mercury 7. As astronautas não faziam parte da NASA, nunca se encontraram todas em grupo – e nunca chegaram a ir ao espaço. “Apesar de ter concluído a sua formação, o programa foi cancelado”, explicou Jeff Bezos no Instagram. Funk tinha 22 anos e era a mais nova das astronautas. Tinha licença de piloto desde a adolescência.
Durante o programa, conta num vídeo partilhado no Instagram do empresário, disseram-lhe que se tinha saído melhor e completado o trabalho de forma mais rápida “do que qualquer um dos homens”. “Disse que me queria tornar astronauta, mas ninguém me aceitava”, conta Wally Funk. Segundo a própria, tem mais de 19.600 horas de voo – agora com mais uns minutos – e já ensinou mais de 3000 pessoas a voar. “Voo desde sempre.”
“Há uma certa justiça poética em inclui-la neste voo”, reagiu a escritora Margaret Weitekamp, curadora do museu Smithsonian do ar e do espaço, que escreveu um livro sobre este primeiro programa espacial de mulheres que nunca chegou ao espaço (Right Stuff, Wrong Sex). As aspirações das 13 mulheres deste programa, conta no livro, foram recebidas com hostilidade: as suas capacidades técnicas e de resistência eram postas em causa só por serem mulheres.
Numa entrevista feita há dois anos, a astronauta contou à BBC que os testes eram “inacreditáveis”: amarraram-na a uma cadeira, injectaram-lhe água fria no ouvido, teve de estar num tanque de privação sensorial. Os testes eram severos para garantir que os astronautas estavam aptos a sobreviver no espaço. Segundo a revista The Atlantic, Wally Funk passou um dos testes a flutuar num tanque de água numa divisão às escuras e à prova de som, sem poder ver nem ouvir. Só de lá saiu 10 horas e 35 minutos depois – não por sua vontade, mas porque o médico responsável pelo teste decidiu que era hora de tirá-la da divisão.
A astronauta norte-americana tem agora 82 anos; o recorde de pessoa mais velha no espaço pertencia ao astronauta John Glenn (o primeiro americano a entrar em órbita e a quinta pessoa a ir ao espaço), que foi ao espaço pela última vez com 77 anos. Glenn fez parte dos Mercury 7 e, no mesmo teste de resistência e isolamento, estivera três horas fechado numa divisão às escuras e à prova de som.
“Senti muita dor em alguns dos testes, mas entendi isso como parte do processo. Levar-me-ia um passo mais perto do espaço, e era lá que eu queria chegar”, recordava Funk.
Uma “missão de vida”
O sonho de ser uma das primeiras mulheres astronautas ficava pelo caminho – e por razões que estavam fora do seu controlo. A NASA decidira que apenas os pilotos de teste que tinham diplomas de engenharia poderiam voar em missões espaciais; e, à data, as mulheres não podiam desempenhar estas funções. Candidatou-se à NASA por quatro vezes e foi rejeitada por não ter o diploma. “Deram-me nove meses para obter o título, o que era impossível.”
Sally Ride acabaria por se tornar a primeira mulher norte-americana a ir ao espaço, em 1983, depois das cosmonautas soviéticas Valentina Tereshkova (a primeira mulher no espaço, num voo de 1963) e de Svetlana Savitskaia, em 1982. “Fiquei emocionada quando Sally Ride se tornou a primeira mulher americana no espaço. Ela ligou-me e disse obrigada por fazer todos aqueles testes, porque eles não tiveram que passar por todos os desafios de resistência física”, contou Funk à BBC.
Wally Funk foi piloto e instrutora de voo e chegou também a investigar quedas de aviação. Foi a primeira inspectora mulher de aviação da administração federal de aviação dos Estados Unidos (FAA) e a primeira inspectora mulher de segurança aérea do Conselho Nacional de Segurança dos Transportes dos EUA (NTSB, na sigla em inglês).
A astronauta seguiu a bordo do foguetão New Shepard, no topo do qual estava acoplada a cápsula em que seguiram os quatro turistas espaciais – incluindo o holandês Oliver Daemen, de 18 anos, Jeff Bezos, e o seu irmão, Mark Bezos. Ficaram em microgravidade durante uns minutos, viram a Terra através de uma janela na nave e regressaram à Terra pouco depois. A data de hoje não foi escolhida ao acaso: o voo aconteceu 52 anos depois da chegada dos humanos à Lua.
A notícia de que Wally Funk voaria a bordo do voo da Blue Origin – que descolou esta terça-feira do Texas, nos EUA – foi dada a 1 de Julho. É a sua “missão de vida”, diz. Ainda antes do voo, Wally Funk já profetizava o que diria no seu regresso à Terra: “Foi a melhor coisa que me aconteceu”.