Exposição
Cartoon Xira: na retrospectiva de um ano exagerado, os cartoons parecem um “eufemismo”
Para os cartoonistas, 2020 fez correr muita tinta: dos medos desencadeados pela pandemia às ameaças à União Europeia. A 22.ª edição do Cartoon Xira decorre até 29 de Agosto, em Vila Franca de Xira, e há três exposições gratuitas para conhecer.
Se fosse contado, o ano de 2020 podia parecer mentira, um exagero ou uma piada de mau gosto. Na 22.ª edição do festival, o Cartoon Xira voltou a lançar o desafio a ilustradores e cartoonistas: fazer a retrospectiva do ano que terminou, mesmo quando a realidade parece surpreender-nos mais do que a ficção. A exposição com curadoria do cartoonista vila-franquense António Antunes reúne os desenhos humorísticos de uma dezena de artistas portugueses, e pode ser visitada até 29 de Agosto, no Celeiro da Patriarcal, em Vila Franca de Xira. “O cartoon, a liberdade de expressão, a criatividade e o humor continuam a ter em Vila Franca de Xira a sua casa e, desta forma, continuamos também a valorizar a cultura, a arte e os artistas”, afirma Alberto Mesquita, Presidente da Câmara Municipal de Vila Franca de Xira, em comunicado.
Em 2020, a pandemia sufocou serviços públicos, pôs à prova o poder político, e travou as selfies com “o Presidente dos afectos”, Marcelo Rebelo de Sousa. Ainda que relembrar o último ano traga memórias de meses que preferíamos esquecer, há motivos para fazer saltar a rolha de uma garrafa de champanhe. Um deles, segundo a ilustração de António Maia: a saída de Donald Trump da presidência dos Estados Unidos.
Nas palavras do cronista Pedro Mexia, escritas para a 22.ª edição deste festival, os “melhores cartoons portugueses de 2020” mostram-nos um “planeta doente”, que enfrenta uma pandemia e os medos que esta desencadeia, mas não só. Também a ameaça da ascensão de movimentos nacionalistas e fundamentalistas, ou “líderes mundiais com penteados estrambólicos, incluindo aquele que achava que isto ia lá com lixívia”. “É que enquanto muita gente exige cartoons sem exageros, o mundo anda tão exagerado que até o exagero parece um eufemismo.”
Aos cartoonistas António Maia, André Carrilho, Rodrigo Matos, Henrique Monteiro, Cristiano Salgado, Cristina Sampaio, Nuno Saraiva, e aos vila-franquenses Vasco Gargalo e António Antunes, junta-se João Fazenda, que se estreia no Cartoon Xira. Este ano, o festival dá também as boas-vindas a um convidado internacional, Ross Thomson, de 83 anos, que traz ao Celeiro da Patriarcal alguns dos desenhos humorísticos que marcaram a sua longa carreira. Os rosstoons chegam a Portugal “cheios de cor e bom humor”, como os descreve Alberto Mesquita, “ao mesmo tempo que estimulam o pensamento crítico e livre, factores tão essenciais à democracia”.
Com uma centena de desenhos, Europa à vista?! abre a discussão sobre os sonhos e desilusões da União Europeia. A exposição de Michael Kountouris acontece a par do Cartoon Xira, na Fábrica das Palavras, a biblioteca municipal de Vila Franca de Xira. Com humor, sentido crítico e sarcasmo, o cartoonista grego pinta, sem medo, as ameaças ao projecto europeu: a crise de refugiados, o Brexit, as alterações climáticas, a ascensão da extrema-direita ou o combate à pandemia.
“Não pensem por isso que Kountouris é menos europeu ou europeísta. Pelo contrário, eu diria que ele o é mais ainda no seu desapontamento amargo. Porque como um áugure ele lembra-nos a cada momento aquilo que fomos, aquilo que somos e aquilo que deveríamos ser”, escreve o historiador e político Rui Tavares, no prefácio do livro da exposição. Na edição de 2021 deste festival existiu, ainda, lugar para uma homenagem ao argentino Joaquín Salvador Lavado, mais conhecido como Quino, criador da Mafalda, que faleceu em Setembro de 2020, aos 88 anos.