Marrocos e os dois tipos de homens no mundo
O que senti em pleno deserto? Um espírito de comunhão com a natureza que ela proporciona apenas em alguns locais do planeta, escreve o leitor João Pontífice Gaspar.
Os portugueses iniciaram em 1415, no reinado de D. João I, a “aventura” que viria a transformar o nosso país no primeiro império marítimo global. A conquista de Ceuta foi há quase 606 anos. Neste contexto, recordo uma viagem realizada em 2014 a Marrocos.
A primeira sensação que tive à chegada, concretamente a Marraquexe, foi… “isto é outro mundo!” Apesar, sublinhe-se, de o voo ser curto, pouco mais de uma hora (partindo de Lisboa). Situada no centro-sul do país, Marraquexe conduz imediatamente a um modo de vida diferente do que estamos habituados. E este é um dos seus fascínios.
O trânsito caoticamente organizado com peões, carros, motos, bicicletas e muitas carroças. O comércio presente um pouco por todo o lado. A mistura de sabores e odores, com bancas de especiarias e de fritos a cozinhar lado a lado com oficinas mecânicas ou ateliers de tapeçarias. Mulheres com véu islâmico, algumas com burca, mas também muitos turistas.
Visitei a ex-madrassa Ben Youssef, escola teológica que chegou a albergar 800 estudantes; o Jardim Majorelle, tranquilo, silencioso, com cores garridas, repleto de palmeiras.
Destaco a praça Djemaa El Fna, grandioso mercado a céu aberto, onde tudo acontece! Há pequenos macacos à solta; mulheres a ler a sina; comerciantes a fazer trocas; caracóis para degustar (muitos dos que se comem em Portugal vêm de Marrocos). Com o Sol a pôr-se, subi ao terraço de um restaurante e observei a Djemaa El Fna… O que vi era fantástico, muitos candeeiros rudimentares que mais pareciam tochas cor de laranja.
Ainda a viagem estava no início e já dava por bem entregue a ida a Marrocos. Mas havia curiosidade, muita curiosidade, em conhecer o deserto do Sara. Tinha ouvido José Manuel Barata-Feyo, actual Provedor do PÚBLICO, dizer numa entrevista que “há dois tipos de homens no mundo: os que já atravessaram o deserto e os outros!” Isto a propósito de uma viagem que realizara, nos anos de 1980, pelo Sara e a África Ocidental.
Aluguei então um carro para a longa viagem até Merzouga, bem no interior do país. Esperavam-me mais de 550km de alcatrão e de terra batida, cerca de 8h a conduzir, se não houvesse percalços. E para quem gosta de condução, fazê-lo em Marrocos é imperdível. Quilómetros e quilómetros por rectas, vales e pistas intermináveis.
A meio do percurso que me levaria até ao deserto, fiz um desvio para visitar a região das Gargantas do Todgha. Situada nas montanhas do Alto Atlas, é um oásis habitado quase exclusivamente por berberes. Gente simpática, que vive muito do turismo e que agradece aos visitantes os dirhams (moeda marroquina) que deixam à passagem.
Voltei à estrada, quase a chegar ao tão ansiado Sara. Em Merzouga só há dois meios de transporte para chegar ao deserto: jipe ou camelo. Se “em Roma, sê Romano”, a partir de Merzouga fui de camelo. Quase duas horas, numa coluna com mais alguns turistas.
O que senti em pleno deserto? Um espírito de comunhão com a natureza que ela proporciona apenas em alguns locais do planeta. E se o pôr do Sol impressiona pela sua beleza, o que dizer quando ele nasce? Tal como um arquivista de memórias, tirei muitas e muitas fotografias. A minha casa ficou com um quadro bonito.
Já no avião que me trouxe de volta, lembrei-me outra vez da frase sobre os homens que conhecem o deserto e os outros. Convictamente, adoptei-a e adaptei-a. Há os que conhecem Marrocos e os outros!
João Pontífice Gaspar