Eurodeputada do PS pede revisão das regras orçamentais europeias

Margarida Marques entende que as actuais regras orçamentais, decorrentes do Tratado de Maastricht, estão “obsoletas”.

Foto
Margarida Marques, eurodeputada do PS Daniel Rocha

A eurodeputada Margarida Marques considera que é preciso rever as actuais regras orçamentais europeias, de maneira a torná-las “mais simples, transparentes e democráticas” e fazer com que, “do ponto de vista da governação económica, funcionem”.

Em entrevista à Lusa na véspera de apresentar, no Parlamento Europeu, um relatório sobre a reforma da governação económica - que será votado na quinta-feira - Margarida Marques destaca que as actuais regras orçamentais, decorrentes do Tratado de Maastricht, estão “obsoletas”.

Considerando que o actual quadro económico está “muito ligado” ao “tempo” e ao “momento” da assinatura do Tratado em questão, em 1992, a eurodeputada refere ainda que, ao longo do tempo, ficou comprovado que as regras “não funcionam”, como testemunha o crescimento económico “muito ténue” e o investimento “baixíssimo”.

“Na prática, [as regras] tornaram-se mais objectivos do que instrumentais. O objectivo era cumprir as regras, mesmo que não se fizessem investimentos, com as razões todas que conhecemos, e Portugal particularmente. E, portanto, deixaram de ser um instrumento e passaram a ser um objectivo”, aponta ainda a eurodeputada do PS, que pertence à família política europeia da Aliança Progressista dos Socialistas e Democratas (S&D, na sigla em inglês).

Nesse sentido, no relatório que vai apresentar, Margarida Marques salienta a necessidade de tornar as regras orçamentais “mais simples, mais transparentes e mais democráticas”, o que passa por se olhar “mais para a sustentabilidade da dívida do que para a dívida em si”, e abordar o “investimento como investimento sustentável”.

“Nós não podemos ter objectivos europeus - o Pacto Ecológico Europeu, o combate às alterações climáticas, a transição para o digital, a coesão social - e depois proibirmos os Estados-membros de usarem os financiamentos necessários para essas transições. Portanto, tem de haver aqui uma atitude de coerência”, frisa a eurodeputada.

Além disso, Margarida Marques destaca também a necessidade de se rever o Pacto de Estabilidade e de Crescimento (PEC) e de introduzir os objectivos políticos no Semestre Europeu, de maneira a fazer com que as regras orçamentais, “do ponto de vista da governação económica, funcionem”.

No que se refere à revisão dos limites estipulados pelo PEC - e que indicam que os Estados-membros devem evitar ultrapassar défices públicos acima de 3% do Produto Interno Bruto (PIB) e valores da dívida pública superiores a 60% do PIB - Margarida Marques diz que não pretende “pedir a revisão dos tratados”, avançando que há juristas que consideram que se pode rever o protocolo que consagra esses valores sem se alterar os tratados e outros que não.

No entanto, a eurodeputada relembra que a “média da dívida ao nível europeu” ronda actualmente “os 100%", o que torna a ideia de fazer com que os Estados-membros tenham uma “dívida a 60% rapidamente” uma “coisa completamente irracional”.

“E, portanto, mais do que mudar esses números - se não houver capacidade para mudar - é ter um percurso diferenciado por Estado-membro, que é, aliás, o que nós propomos no relatório. Evidentemente, haverá Estados-membros que têm condições para, dentro de dois ou três anos, atingir os 60%. Há outros que não têm, portanto têm que ter um percurso definido e, em vez de serem 20 anos, pode ser 40”, refere.

Interrogada sobre quando é que espera que a revisão das regras orçamentais se torne efectiva, Margarida Marques salienta que isso “depende do processo legislativo”, que “leva tempo” na União Europeia, mas refere que o importante é que as instituições europeias não desactivem a actual suspensão das regras orçamentais europeias - que está em vigor até 2022 - antes do tempo.

“A cláusula de escape só deve ser desactivada no momento em que isso não perturbar a recuperação económica dos países. Até porque nós estamos a pedir aos países que façam a recuperação económica, criámos um fundo, os Estados-membros estão a usar o fundo, têm que ter capacidade para usar esse fundo”, frisa.

Nesse sentido, de maneira a impedir uma “transição brusca” entre a suspensão das regras orçamentais e a sua reposição, Margarida Marques considera que deve “existir um período de transição”, que pode incluir o uso de flexibilidade, e que serviria para não “impedir ou perturbar a recuperação económica dos Estados-membros”.

Quanto à vontade política na União Europeia para se reverem as regras orçamentais, a eurodeputada salienta que, durante o processo de redacção do relatório, notou que “especialistas, académicos, políticos, ex-políticos” e “gente que teve de lidar” com as regras orçamentais mostraram uma “tendência maioritária” sobre a “necessidade de rever as regras”.

Além disso, a eurodeputada destaca também o papel desempenhado pela presidência portuguesa do Conselho da UE nesta matéria, referindo que, através da organização da Cimeira da Recuperação - que decorreu em Lisboa no último dia da presidência, a 30 de Junho -, Portugal “colocou” a questão da revisão das regras orçamentais “na agenda”.

“Acho que foi muito importante fechar a presidência com aquela conferência. Portanto, começa-se a construir uma ideia de que é necessário rever as regras”, aponta a eurodeputada.

Já no que se refere à aprovação do seu relatório em sessão plenária, Margarida Marques mostra-se “optimista”, salientando que tem o apoio do Partido Popular Europeu (PPE), da sua própria família política, S&D, do grupo dos Verdes e da família liberal, Renew Europe.

Margarida Marques apresenta na quarta-feira um relatório intitulado “Relatório sobre a revisão do quadro legislativo macroeconómico tendo em vista um maior impacto na economia real da Europa e maior transparência na tomada de decisões e responsabilização democrática”.

Segundo a eurodeputada, o documento visa estabelecer “orientações” e “desenhar o enquadramento político em que o debate público” sobre a revisão das regras orçamentais deve ser feito.

Após a apresentação e o debate em sessão plenária, o relatório em questão será votado na quinta-feira.