Joe Berardo tem de pagar caução de 5 milhões de euros e entregar o passaporte
O juiz Carlos Alexandre decidiu que o advogado André Luiz Gomes deve pagar uma caução de um milhão de euros.
O Ministério Público pediu uma caução de 5 milhões de euros para que o empresário madeirense Joe Berardo saia em liberdade, abdicando, assim, de solicitar que o arguido fique em prisão preventiva, tal como avançou na quinta-feira o PÚBLICO. O juiz Carlos Alexandre aceitou a sugestão e fixou isso mesmo: para sair em liberdade, Berardo tem de pagar cinco milhões de euros e terá 20 dias para o fazer. Isto embora tenha considerado “existir perigo de fuga/subtracção à acção da justiça”. E por isso o empresário tem de entregar o seu passaporte no prazo de cinco dias, ficando proibido de se ausentar do país.
Dentro de fronteiras, Joe Berardo tem uma série de limitações: “Proibição de contactar, por qualquer meio directamente ou por interposta pessoa, André Luiz Gomes ou de se dirigir às respectivas casas ou postos de trabalho; proibição de contactar, por qualquer meio directamente ou por interposta pessoa, qualquer sócio, associado ou colaborador da Luiz Gomes & Associados, bem como de se dirigir à respectiva sede ou instalações; proibição de contactar, por qualquer meio, com os seguintes indivíduos que ali se identificam ou de se dirigir às respectivas casas ou postos de trabalho e proibição de se deslocar ou de frequentar as sedes/instalações das pessoas colectivas que ali se identificam.”
Quanto à caução de cinco milhões de euros, esta terá de ser entregue no prazo de 20 dias “através da colocação desse valor em depósito autónomo à ordem dos presentes autos, da constituição de hipoteca sobre imóvel com valor não inferior a €5.000.000,00, da constituição de garantia bancária com cláusula on first demand ou por outro meio reputado admissível pelo Exmo. JIC [Juízo de Instrução Criminal]”.
Em relação ao advogado André Luiz Gomes, o juiz Carlos Alexandre considerou existir “perigo de perturbação do inquérito” e por isso decretou uma caução de um milhão de euros, entregue nos mesmos termos da de Joe Berardo. O advogado está ainda proibido de contactar com Joe Berardo ou qualquer outro membro da família, de se deslocar a casa destes ou a escritórios e de lhes prestar serviços de advocacia (bem como a todas as empresas e pessoas referidas no processo).
Na nota à imprensa enviada pelo Conselho Superior da Magistratura, é referido que, em relação aos dois arguidos, está “fortemente indiciada a prática, em co-autoria material e na forma consumada”, de oito crimes de burla qualificada, um crime de branqueamento, um crime de fraude fiscal qualificada, dois crimes de abuso de confiança qualificado e um crime de descaminho.
A juntar a estes crimes em co-autoria, o juiz considera que em relação ao advogado André Luiz Gomes está ainda “fortemente indiciada” a prática de quatro crimes de fraude fiscal qualificada, um crime de falsificação de documento, um crime de falsidade informática e um crime de branqueamento.
À saída do TCIC, o advogado de Joe Berardo, Paulo Saragoça da Matta, garantiu que serão feitas “todas as diligências” para assegurar o pagamento da caução de cinco milhões de euros dentro do prazo dos 20 dias que o juiz Carlos Alexandre decretou ao empresário madeirense.
Questionado sobre como é que o seu cliente iria pagar esta caução, uma vez que, alegadamente, apenas tem em seu nome uma garagem e declara uma pensão de 2584 por mês, o advogado frisou que qualquer pessoa poderia pagar por Berardo. Os jornalistas insistiram e perguntaram se podia ser um familiar a prestar essa caução. O advogado respondeu: “Até pode ser a Santa Casa da Misericórdia, ou qualquer um de vós, que queira fazer o pagamento da caução.”
Os dois arguidos voltaram esta sexta-feira ao Tribunal Central de Instrução Criminal (TCIC), em Lisboa. Ambos foram detidos na terça-feira, no âmbito de uma operação de investigação aos créditos concedidos pela Caixa Geral de Depósitos (CGD) levada a cabo pelo Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP) e pela Unidade Nacional de Combate à Corrupção da PJ.
O empresário e André Luiz Gomes estão indiciados pelos mesmos crimes: burla qualificada, fraude fiscal qualificada, branqueamento de capitais, falsidade informática, falsificação, abuso de confiança e descaminho ou destruição de objectos colocados sob o poder público.
No âmbito da mesma investigação já foram constituídos 13 arguidos e é possível que a lista venha a aumentar. Além de Berardo e de André Luiz Gomes, são também arguidos Renato Berardo e Jorge Sabino Rodrigues Berardo, filho e irmão do empresário madeirense.
Do rol de arguidos fazem ainda parte o ex-presidente da Caixa Geral de Depósitos (CGD) Carlos Santos Ferreira, suspeito de ter favorecido Berardo na concessão de empréstimos bancários, Sofia Catarino, vogal do conselho de administração da Associação de Colecções, e Fátima Câmara, contabilista na Madeira.
A Sociedade Luiz Gomes & Associados, Atram — Sociedade Imobiliária SA (detida a 100% pela mulher de Berardo, Carolina Berardo), Associação Colecção Berardo, Associação de Colecções, Moagens e Associadas SA e Metalgest – Sociedade de Gestão, SGPS, SA são também arguidas.
Em causa neste processo estão suspeitas em relação à forma como Berardo conseguiu obter, em 2006, empréstimos da CGD, que, nove anos depois, em 2015, ainda revelavam uma exposição daquele banco à Fundação Joe Berardo na ordem dos 268 milhões de euros em créditos malparados. Mas não foi só: o grupo de Berardo terá, segundo o comunicado da PJ, causado, no total, “um prejuízo de quase mil milhões de euros” à CGD, ao Novo Banco e ao BCP, “tendo sido identificados actos passíveis de responsabilidade criminal e de dissipação de património”.
Berardo terá montado um esquema de dissipação de património e dinheiro, através de empresas-veículo, como forma de conseguir escapar aos credores.
Entre outras coisas, o empresário terá contraído um empréstimo na CGD de 349 milhões de euros destinados a comprar acções do BCP, que viriam a desvalorizar-se pouco depois. Segundo a PJ, o grupo de Berardo “tem incumprido com os contratos e recorrido aos mecanismos de renegociação e reestruturação de dívida para não a amortizar”. E as autoridades parecem suspeitar de que os créditos terão sido conseguidos através das relações privilegiadas de Berardo com o Governo liderado por José Sócrates.
Segundo o comunicado da PJ, a investigação foi iniciada em 2016 e “identificou procedimentos internos em processos de concessão, reestruturação, acompanhamento e recuperação de crédito, contrários às boas práticas bancárias e que podem configurar a prática de crime”.