Parlamento vai corrigir “falha formal” na aplicação às escolas da lei da Identidade de Género
Tribunal Constitucional considerou que Governo violou reserva de lei parlamentar ao avançar com a regulamentação para as escolas da lei da identidade de género. Nos estabelecimentos de ensino pouco ou nada mudou porque, segundo os directores, pouco ou nada havia para mudar.
O Governo tem “toda a disponibilidade para corrigir a falha formal” apontada pelo Tribunal Constitucional (TC), que declarou a inconstitucionalidade da regulamentação por despacho normativo da lei n.º 38/2018, que veio estabelecer o direito à autodeterminação da identidade e expressão de género e à protecção das características sexuais de cada pessoa nas escolas. Quem o garantiu foi a ministra de Estado e da Presidência, Mariana Vieira da Silva, que, ouvida na quarta-feira na comissão parlamentar de assuntos constitucionais, direitos, liberdades e garantias, lembrou que cabe à Assembleia da República “dar os passos necessários o mais rapidamente possível”.
A questão foi levantada pela deputada socialista Isabel Moreira, que, depois de o TC ter concluído que a lei é inconstitucional (não por causa do seu conteúdo mas por entender que houve uma violação da competência exclusiva do Parlamento para regulamentar sobre esta matéria), quis saber se o seu grupo parlamentar poderia contar com o Governo “para dar tranquilidade às crianças e aos jovens trans”, dando-lhes a garantia de que as falhas apontadas pelo Tribunal Constitucional vão ser “imediatamente corrigidas” e que serão “protegidas quer nas escolas públicas quer nas privadas”.
A pronúncia do TC decorreu do pedido de fiscalização sucessiva da lei apresentado por 86 deputados do PSD, CDS e PS, para os quais os pressupostos da lei violam a proibição da programação ideológica de ensino. Na base desta polémica, que chegou a motivar uma petição pública de protesto com mais de 21 mil assinaturas, está o facto de o despacho que regulamenta as medidas de protecção de identidade de género nas escolas ter sido lido como uma porta aberta à possibilidade de os jovens passarem a escolher a casa de banho e o balneário escolares de acordo com o género com que se identificam. Na altura, o próprio Conselho de Escolas veio recomendar que o Ministério da Educação promovesse a reformulação dos espaços escolares para “assegurar a privacidade de todos os alunos e não apenas dos que estão em processo de transição”.
Mas o que o despacho diz é apenas que “as escolas devem garantir que a criança ou jovem, no exercício dos seus direitos, aceda às casas de banho e balneários tendo sempre em consideração a sua vontade expressa e assegurando a sua intimidade e singularidade”. E, na prática, pouco ou nada mudou no quotidiano ou na estrutura física das escolas, porque estas “sempre souberam lidar com estes casos residuais com bom senso, ponderação, discrição e respeito pelas diferenças”, conforme sustentou ao PÚBLICO o presidente da Associação Nacional de Dirigentes Escolares, Manuel Pereira.
“Depois daquele debate inflamado, que sempre me pareceu suscitado por uma falsa questão porque as escolas têm sabido gerir a inclusão e a diferença, melhor até do que a sociedade, não me parece que alguma mudança tenha sido feita, porque as soluções sempre foram sendo encontradas caso a caso”, corrobora Filinto Lima, presidente da Associação Nacional de Directores de Agrupamentos e Escolas Públicas.
Do lado dos pais, o presidente da Confederação Nacional das Associações de Pais (Confap), Jorge Ascensão, concorda que “a lei ajuda mas não resolve os problemas” e que “já na altura da polémica, os directores tinham o cuidado de salvaguardar a intimidade e garantir a privacidade dos alunos em causa”. “Quando muito, o que essa discussão trouxe foi uma consciência mais generalizada de ter de haver esse cuidado nas escolas, mas nunca se colocou a questão do acesso indiscriminado às casas de banho independentemente do género nem da criação de uma casa de banho específica para os alunos que não se identificam com o seu género ou estão em processo de transição, até porque isso suscitaria aquelas maldadezinhas sobre quem fosse visto lá a entrar”, recorda o representante dos pais.
“No caso de um aluno do género masculino, com a estrutura física do género masculino, mas que se sente do género feminino, é sempre possível, por exemplo, garantir que ele passa a usar uma das casas de banho destinadas ao pessoal da escola”, exemplificou ainda Jorge Ascensão.
Descontadas as referências ao uso das casas de banho e balneários, o que o despacho regulamentar da lei que veio permitir a mudança de género e de nome próprio no Cartão de Cidadão se passasse a fazer a partir dos 16 anos e sem relatório médico previa, entre outras medidas, era a necessidade de as escolas estabelecerem canais de comunicação e identificarem os responsáveis a quem pode ser comunicada a situação de crianças e jovens que manifestem uma identidade ou expressão de género que não corresponde à identidade de género à nascença.
O despacho n.º 7247/2019 previa do mesmo modo a possibilidade de os jovens nesta situação escolherem o vestuário do género com que se identificam, nos casos em que haja obrigatoriedade de vestir uniforme “ou qualquer outra indumentária diferenciada por sexo”, a par do direito a serem identificados na documentação escolar pelo nome adoptado face à identidade de género manifestada.