Partidos querem “justiça a funcionar” com caso Berardo e outros devedores

Os partidos já começaram a reagir à detenção do empresário e pedem justiça para este e outros casos de devedores da banca, mas também mais meios para a Polícia Judiciária.

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Joe Berardo foi detido esta terça-feira LUSA/NUNO VEIGA

Os partidos já começaram a reagir à detenção do empresário Joe Berardo no âmbito de uma operação que visa “um grupo económico” que terá lesado vários bancos, por suspeita de administração danosa, burla qualificada, fraude fiscal e branqueamento. A primeira reacção chegou do BE, que pede que seja feita justiça neste e noutros casos de devedores de bancos. Já o PCP prefere aguardar pelas conclusões da investigação. Também o PEV e CDS pediram consequências para a investigação.

BE quer outros devedores investigados

A reacção do BE chegou pela dirigente Mortágua, que lembrou as declarações do empresário no Parlamento. “José Berardo foi à comissão de inquérito da Caixa Geral de Depósitos (CGD) gabar-se de ser intocável e gabar-se de ter conseguido encontrar um truque - que foi descoberto e exposto ao país nessa comissão de inquérito -, uma fraude para esconder uma colecção de arte do Novo Banco e da CGD, de forma a que essa dívida não pudesse ser cobrada”, começou por responder a deputada e dirigente do BE.

Mariana Mortágua referiu que, “depois desse truque, houve muitos outros devedores que foram às comissões de inquérito, ou melhor, foram expostos nas comissões de inquérito truques muito parecidos para não pagar o que devem aos bancos” e que hoje sabe-se “o nome de alguns desses devedores”.

“E tudo o que eu espero e tudo o que eu desejo é que seja feita justiça relativamente a esse tipo de acções, muitas delas de carácter fraudulento, que foram levadas a cabo para estes devedores não pagarem as suas dívidas aos bancos, com prejuízos para todos os contribuintes e para todos os portugueses”, afirmou.

“Portanto, tudo aquilo que tenha a ver e que seja o funcionamento da justiça é óbvio que eu só posso ver com bons olhos, deixando a justiça trabalhar da forma que é entender que é relevante e que é importante”, acrescentou a deputada. Ao apresentar o projecto de lei do BE sobre moratórias bancárias, Mariana Mortágua observou que há “muitos exemplos de reestruturações bancárias que foram favores dos bancos a grandes clientes bancários”, que “não protegeram os bancos e não protegeram o país”.

PCP aguarda por resultado da investigação

O PCP também reagiu à detenção, mas foi cauteloso. “A detenção não significa condenação”, começou por lembrar o líder comunista Jerónimo de Sousa. “Tendo em conta o facto, o que se espera é a resposta clássica: que haja a devida investigação, apuramento da verdade e apuramento da responsabilidade”, completou.

CDS fala em “boa notícia"

É uma “boa notícia” ver "a justiça a funcionar”, resumiu a deputada Cecília Meireles, do CDS-PP, em reacção. A centrista lamentou, no entanto, a demora do processo, sublinhando que não se assiste a “um funcionamento rápido da justiça”, uma vez que os “factos que têm seguramente mais de dez anos”. A deputada, que integrou a Comissão Parlamentar de Inquérito à gestão da Caixa Geral de Depósitos, não quis “fazer comentários sobre os contornos do caso concreto”, mas entendeu ser “importante também falar do que foi apurado” pelos deputados.

Cecília Meireles defendeu que a actividade das comissões de inquérito “pelo tipo de provas a que tem acesso” deve ser aproveitada de forma a “ser útil à justiça”. “Acho que isso é também uma boa notícia e que permite também que as pessoas vejam que são retiradas consequências das comissões de inquérito”, argumentou. A deputada notou que há “muitas consequências” que as pessoas esperam ver sair da Assembleia da República mas que cabem ao poder judicial. No entanto, a audição à Caixa Geral de Depósitos e a Joe Berardo e consequente investigação judicial mostram essa colaboração, considera. 

A centrista ressalvou, no entanto, que o processo está “em fase de investigação” e que não se sabe “o que vai sair daqui”. "Só quando percebermos se se daqui vai resultar alguma acusação, vai resultar algum julgamento, vai resultar alguma condenação, só depois é que se pode dizer se há resultados ou não” da comissão, assinalou. Cecília Meireles aproveitou para acrescentar que é importante “perceber até que ponto é que a Polícia Judiciária tem os meios necessários para ser eficaz” e que essa deve ser uma preocupação do Parlamento. "Neste caso, por exemplo, aquilo que se vê no comunicado é que estamos a falar de muitos meios envolvidos. Se nós queremos uma justiça a funcionar, temos de lhe dar meios para que possa funcionar”, disse.

Se foi detido “é porque há suspeitas fortes”, diz PEV

Pelo Partido Ecologista “Os Verdes” (PEV), José Luís Ferreira referiu que “se há uma censura social, agora deve ter também reflexos do ponto de vista da privação da liberdade” ou de outras medidas “que venham a ser decididas” pelos tribunais. "O que nós esperamos é que seja feita justiça. Se ele [Joe Berardo] foi detido, é porque há suspeitas fortes da prática de crimes. E, na nossa perspetiva, quem pratica crimes deve ser condenado por isso”, sublinhou o deputado. O parlamentar recusou fazer mais comentários sobre o assunto, sustentando que “à Justiça o que é da Justiça, à Política o que é da Política”, e é preciso deixar os “órgãos de investigação criminal e os tribunais trabalharem” para “que se faça justiça”.

Chega pede que processo “não se arraste"

O Chega está preocupado com a demora que o processo poderá ter e espera que “o não se arraste, à semelhança de outros, nos tribunais e nas instituições judiciárias, e faz votos de um processo célere e eficaz”. Em comunicado, a direcção do partido defende 

É fundamental que todos percebam que a impunidade não pode reinar em Portugal e que as constantes artimanhas para esconder património não podem prevalecer como uma conduta normal e habitual.

Iniciativa Liberal pouco surpreendida

Foi “infelizmente sem surpresa” que a Iniciativa Liberal (IL) recebeu a notícia da detenção “tendo em conta, nomeadamente, as declarações do próprio em plena Comissão de Inquérito”. Mas pede que não se personalize o caso. “Importa, mais do que olhar para a árvore, ter presente a dimensão e a gravidade da floresta”, argumenta o partido em comunicado. "Berardo fez parte de um esquema orquestrado a partir das mais altas esferas do poder político da altura, com a complacência dos reguladores, no contexto de uma estratégia de ocupação do mercado financeiro e de favorecimento de clientelas e cumplicidades”, diz.

Por isso, “para lá das responsabilidades de Berardo, que devem ser obviamente investigadas, é fundamental aprofundar a responsabilidade política e criminal de todos os envolvidos na teia de interesses que levou à concretização de decisões ruinosas que lesaram os contribuintes de forma deliberada e dolosa”.

A IL pede que não se condenem apenas aquelas que “por táctica ou falta de jeito, fazem tristes figuras públicas sem igual desfecho para outros com grandes responsabilidades políticas ou regulatórias, significará não desmantelar as cumplicidades e teias de interesse que propiciaram estas situações”.

“A sucessão de escândalos financeiros e políticos de que, aos poucos, vai havendo conhecimento demonstra ainda a necessidade de uma reforma urgente da ideia de Estado, que deve estar focado nas suas funções nucleares e não ao serviço de estratégias oportunistas, e de substituição dos atores políticos que construíram o seu percurso na órbita de interesses inconfessáveis”, lê-se. 

Também a IL insiste que a Justiça deverá funcionar “de forma célere, sem a morosidade exasperante a que tem sido votada a generalidade dos megaprocessos”.

O que se sabe até agora

Em comunicado, a Polícia Judiciária adiantou que se trata de um grupo “que entre 2006 e 2009 contratou quatro operações de financiamentos com a CGD, no valor de cerca de 439 milhões de euros”, e que terá causado “um prejuízo de quase mil milhões de euros” à Caixa, ao Novo Banco e ao BCP.

“Este grupo tem incumprido com os contratos e recorrido aos mecanismos de renegociação e reestruturação de dívida para não a amortizar”, acrescenta a polícia no mesmo comunicado. Na investigação, que começou em 2016, foram identificados “procedimentos internos em processos de concessão, reestruturação, acompanhamento e recuperação de crédito contrários às boas práticas bancárias”. Os investigadores procuram indícios de “actos passíveis de responsabilidade criminal e dissipação de património”.