Como ciclista, todo o cuidado é pouco

Porque o nosso corpo é mesmo o nosso escudo. Porque quando me bateram é que percebi para que serve o capacete enquanto o capacete arrojava pela estrada e o corpo também.

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Paulo Pimenta

É com grande tristeza e consternação que leio a notícia da morte, sábado passado, de uma jovem e futura mãe na Avenida da Índia, Lisboa. As palavras faltam-me como ciclista, todos os dias a caminho do trabalho, todos os dias a caminho de casa, perfeitamente ciente do perigo a que todos os dias estamos sujeitos. Por uma razão muito simples: o nosso escudo é o nosso corpo e os carros ficam sempre na mesma.

Não obstante, e não obstante o casaco e colete fluorescentes, o capacete, as luzes sempre ligadas, também já sofri um acidente, varrido por uma condutora e projectado ao longo da faixa contrária de rodagem. Mesmo ao pé de casa onde, supostamente, nada nos pode acontecer. Porque já estamos em casa, aqui já é seguro, mas nunca é.

A desculpa? A condutora não me viu. Não viu o casaco e o colete, não viu as luzes: estava a chover. Tive sorte, o trânsito em sentido contrário corria lentamente, os carros pararam de imediato e eu levantei-me de imediato tipo mola no medo de ser atropelado para logo logo sair da estrada com a bicicleta pela mão.

Tive sorte: apesar das nódoas negras, os danos foram apenas materiais. Gastara uma das minhas sete vidas

Mas o susto, o medo, o ter de voltar à estrada logo no dia a seguir, isso ninguém nos tira. No trabalho ninguém quer saber a não ser quando chegamos atrasados ou não chegamos sequer e a sorte foi também a de ter sofrido um acidente a caminho de casa, quando já é o fim do dia.

A caridade de quem presenciou o ocorrido ainda me deixou com o contacto de duas testemunhas e no fim tudo se resolveu. E todos os dias continuo a ir para o trabalho de bicicleta. São só sete quilómetros. É um luxo, eu sei. Gratuito, sempre disponível, ecológico e ainda faço exercício. 

Mas são sete quilómetros onde todo o cuidado é pouco. Nunca me coloco à frente ou de lado dos camiões e carrinhas, sempre atrás. Porque os condutores não nos vêem, a cabine do veículo é muito alta e quando os mesmos vão em frente ou viram à direita é tarde demais. E entre ciclovias, mais ciclovias, semáforos próprios para ciclistas e marcações para ciclistas nos semáforos à frente do trânsito, as medidas pecam sempre por defeito. 

Porque o nosso corpo é mesmo o nosso escudo. Porque quando me bateram é que percebi para que serve o capacete enquanto o capacete arrojava pela estrada e o corpo também. A bicicleta também é um veículo e, apesar de não parecer para muitos automobilistas, temos mesmo prioridade nas rotundas, as rotundas onde já perdi a conta às vezes em que me atirei para a berma porque um condutor cheio de pressa, os condutores estão sempre cheios de pressa, se lembrou de me cortar o caminho.

Não vale a pena continuar. É verdade. Todo o cuidado é pouco. Mas se queremos uma revolução nos meios de transporte, cuidar do planeta e melhor qualidade de vida, a bicicleta é uma das soluções. E para ser uma das soluções é necessário educar e consciencializar quem conduz na estrada, desde as aulas de código a campanhas de informação na televisão e redes sociais. Porque já é tarde demais. 

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