Rendimento Social de Inserção: antigo ministro da Segurança Social Ferro Rodrigues defende inquérito à medida

O objectivo é apurar o impacto desta prestação destinada a atenuar efeitos da pobreza. Partidos admitem rever critérios.

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Ferro Rodrigues diz que medida foi o seu grande orgulho político LUSA/MIGUEL A. LOPES

O presidente da Assembleia da República, Eduardo Ferro Rodrigues, defendeu a realização de um inquérito ao Rendimento Social de Inserção, que nos 25 anos da prestação social avalie o impacto da medida que é o seu “grande orgulho” político.

Em entrevista à agência Lusa, por ocasião dos 25 anos de existência do Rendimento Social de Inserção (RSI), Eduardo Ferro Rodrigues, que era o ministro da Solidariedade e Segurança Social na altura da criação do então Rendimento Mínimo Garantido (RMG), desafiou os actuais responsáveis políticos a realizarem um inquérito não só junto das pessoas que actualmente recebem a prestação social, mas também entre as que receberam no início. Na opinião de Ferro Rodrigues, importa saber, nomeadamente junto daqueles que há 25 anos eram crianças, “qual foi a importância do Rendimento Mínimo para a sua própria sobrevivência”.

O ex-ministro lembrou que o RMG “era sobretudo um ataque à miséria e à exclusão social”, que “nunca se apresentou como a resposta total à pobreza porque isso não era possível”. “Foi sobretudo a resposta à indignidade por que passavam os mais pobres neste país, que eram tratados como pessoas que não existiam, transparentes, que se passava por elas na rua e nem se olhava para elas”, defendeu.

Segundo Ferro Rodrigues, essas pessoas “passaram a ter direitos e passaram a ter uma dignidade reconhecida pelo governo e pelo Estado”. Essa, diz, “é que é a questão fundamental”. "Deixo esse desafio porque 25 anos depois era uma boa forma de comemorar o lançamento do Rendimento Mínimo, um inquérito geral a todos aqueles, independente da idade, que tiveram direito a essa prestação e como é que correu a inserção social, os apoios à habitação, os apoios à saúde e os apoios à educação porque isso no fundo é que é a questão essencial”, defendeu.

"Milhares não teriam ido à escola"

Para o actual presidente da Assembleia da República, “uma coisa é clara”, a partir do momento em que a prestação social foi criada deixou de haver quem dissesse que não tem como sobreviver ou que vai “morrer em qualquer esquina” porque não tem direito a qualquer apoio.

“Se não houvesse rendimento mínimo havia milhares de crianças que não teriam ido à escola, havia milhares de famílias que não tinham tido cuidados de habitação que desta maneira tiveram e pessoas que nem sequer reconheciam ou sabiam os seus direitos em matéria de saúde e de segurança social”, salientou, acrescentando que se a prestação fosse tão má como algumas pessoas criticam, ela já teria acabado.

“Eu continuo a dizer que é um grande orgulho do ponto de vista político na minha vida”, destacou. Sobre uma possível análise e reforma da medida, defendeu que são sempre necessárias e possíveis, apontando que “mesmo com alguns recuos”, a partir de 2015 houve melhorias nas condições de acesso.

Lembrou que o país está a viver consecutivamente duas crises, a económico-social e a pandémica, e que “seria bom” que qualquer análise que venha a ser feita evitasse tirar conclusões das consequências destas crises para questões tão importantes como a do RSI. “O desafio que faço é que, deixando a pandemia passar e para comemorar os 25 anos, que haja a possibilidade de fazer uma análise clara e sem preconceitos e estou convencido de que os resultados serão francamente favoráveis à medida”, afirmou.

Independentemente de qualquer análise, Ferro Rodrigues não receia em defender o valor da medida, salientando que o sucesso afere-se pela capacidade que esta prestação social teve de gerar ascensão social ou de tirar pessoas da miséria, dando como exemplo o trabalho feito ao nível da erradicação das barracas nas zonas urbanas, o incentivo para que as crianças fossem à escola ou o acesso aos serviços de saúde.

Olhando para trás, o político diz não recordar “grandes oposições” no momento da aprovação da prestação, mas admite que o que foi mais difícil na altura continua a sê-lo agora, ou seja, “explicar às pessoas que é necessário haver um instrumento de política social que garanta a dignidade básica de qualquer cidadão e, sobretudo, a possibilidade de haver um combate contra a miséria”.

Critérios e abusos

A maioria dos partidos com representação parlamentar concorda com a necessidade de rever o RSI, tal como previsto pelo Governo, admitindo apresentar propostas para melhorar este mecanismo.

A líder parlamentar do PS, Ana Catarina Mendes, considera que “faz sentido avaliar uma política pública desta importância e dimensão”. No entanto, para o PS, uma reforma desta dimensão “deve ser precedida de uma avaliação baseada na evidência e que valorize o que as pessoas fizeram, o que aprenderam, o que têm para ensinar e o que falhou”.

“Seria uma excelente repetição de uma boa prática se o Governo trouxesse ao Parlamento as suas propostas de revisão, a exemplo do que fez o Governo de António Guterres na criação da medida”, responde, deixando clara a disponibilidade do PS para colaborar num debate “amplo e profundo” em que terão que estar envolvidos executivo, Parlamento e parceiros sociais.

Já os sociais-democratas asseguram que “se o Governo vai efectivamente alterar o RSI, o PSD não terá uma atitude fechada, pelo contrário”, indicando que o partido vai avaliar “as propostas do Governo e, em função das mesmas, proporá as alterações que melhorem a vida dos beneficiários, com justiça, equidade, solidariedade e inclusão”.

“Temos de esperar para ver, as promessas de mudança podem ser iguais a tantas outras promessas do Governo: nada”, ressalvam, pedindo que não existam ilusões e defendendo que “estes anúncios não podem desviar” a atenção para a “correcta utilização das verbas do PRR [Plano de Recuperação e Resiliência] e do próximo Quadro Financeiro 2021-2027, que podem e devem retirar muita gente da pobreza”.

Também o BE, através de José Soeiro, concorda com a revisão deste apoio e garante que irá a jogo com propostas, adiantando que ”o partido já defendeu junto do Governo, aquando das últimas negociações orçamentais, “uma transformação de fundo no conjunto das prestações não contributivas. “O que nós propúnhamos era criar uma nova prestação, sem o estigma associado ao RSI, e que pudesse ser muito mais robusta. Na altura chamámos-lhe prestação social de cidadania, uma espécie de fusão das várias prestações não contributivas que tinha como referência o limiar da pobreza”, sintetiza.

Para o PCP, segundo a deputada Diana Ferreira, a revisão desta prestação social, para a qual o partido vai contribuir, “deve considerar a criação de critérios mais justos para o seu acesso para que a mesma possa cumprir o seu objectivo de apoio social em situações de pobreza e exclusão social”, pedindo ainda medidas concretas para o acompanhamento a estas famílias “no sentido da sua autonomia e dignidade”.

O deputado do CDS Pedro Morais Soares, defende que “faz sentido rever” o regime do RSI para evitar “desresponsabilização” e “facilitismo” na atribuição, e adianta que o partido vai “apresentar certamente propostas no sentido de que os compromissos que sejam estabelecidos através desta prestação social sejam mais rigorosos” e também “exista mais rigor na sua atribuição e maior fiscalização”.

Segundo o PAN, a revisão do RSI "faz sentido” e o partido antecipa que pretende criar a figura de “superação do RSI”, “de forma a permitir a sobreposição da atribuição da prestação” com “outros rendimentos mensais até ao valor do salário mínimo”, para incentivar a entrada dos beneficiários no mercado de trabalho.

Já o PEV considera fundamental alterar a condição de recurso para assim alargar o número de beneficiários. Por seu turno, o Chega indica que “vai propor um reforço muito significativo da fiscalização nesta área para evitar fraudes e abusos”.

Para a Iniciativa Liberal, sem outro tipo de políticas, milhares de portugueses continuarão a “depender do RSI”.

O RSI, que nasceu como Rendimento Mínimo Garantido há 25 anos, é uma prestação social para as pessoas que estão numa situação de pobreza extrema. É constituída por uma prestação em dinheiro e por um programa de inserção, ao qual está associado um contrato que estabelece as condições e os objectivos para uma progressiva inserção social, laboral e comunitária dos seus membros. Actualmente recebem esta prestação quase 218 mil pessoas.