Chega fica isolado em debate insólito sobre enriquecimento injustificado
Projecto de lei de André Ventura foi chumbado com os votos contra de todos os partidos, a abstenção do PAN e da deputada Cristina Rodrigues.
Numa semana em que está marcado para sexta-feira um debate sobre propostas de combate à corrupção e ocultação de riqueza, o Chega agendou, antes, uma sessão própria sobre o seu projecto que criminaliza o enriquecimento ilícito. O resultado foi um debate insólito com os partidos a tentarem desviar-se da proposta do Chega, em que os tempos previstos não foram gastos na totalidade – a não ser por André Ventura – e em que PCP e BE se recusaram ir a jogo no que consideraram ser um “truque” parlamentar.
Ao longo do debate, vários partidos consideraram o projecto de lei do Chega inconstitucional, o que foi a justificação para os votos contra de todas as restantes bancadas, à excepção do PAN e a deputada não inscrita Cristina Rodrigues, que se abstiveram.
No projecto de lei, o Chega propôs a criação do crime de enriquecimento ilícito para os cidadãos que adquirirem património “incompatível” com rendimentos declarados, com uma pena de prisão que pode ir até oito anos se for o titular de cargo político.
Logo no arranque do debate, PCP e BE anunciaram que iriam deixar o deputado único do Chega a “falar sozinho” depois de considerarem que a sessão plenária desta quarta-feira à tarde era um “fingimento” e um “truque parlamentar”. Foi Telmo Correia, líder da bancada do CDS, que veio assumir a divergência sobre a abstenção assumida pelas bancadas à esquerda em participar. “Não concordo com uma série de propostas do Chega, agora não vou dizer que não debato”, disse, admitindo que “se o Chega pretende fazer um número (…) o contra-número é pior ainda”.
O PS, através das intervenções de Cláudia Santos e de Jorge Lacão, preferiu ignorar as questões formais parlamentares, mas criticou fortemente o projecto de lei do Chega por escolher um “caminho impossível”, por ser inconstitucional. “Quando nos levantarmos para votar contra este projecto de lei porque ele viola a presunção de inocência e também o princípio da legalidade criminal, estaremos, juntos, a reforçar o nosso respeito pelo Estado de Direito e o nosso compromisso comum com os Direitos Humanos”, afirmou Cláudia Santos.
O mesmo argumento foi lançado pelo deputado do PEV, José Luís Ferreira, que acusou André Ventura de não pretender criminalizar o enriquecimento ilícito nem a corrupção. “Se fosse assim não se apresentava uma proposta com morte anunciada. É apenas um número”, disse. O deputado Nelson Silva, do PAN, também apontou problemas constitucionais ao projecto do Chega e comparou-o ao do PCP, o que motivou contestação por parte do líder da bancada comunista.
Pelo PSD, Carlos Peixoto passou ao lado do projecto do Chega, construindo uma intervenção com contexto histórico (que originou uma disputa com o PCP sobre quem teve a primeira iniciativa sobre esta matéria) e com um aviso. “Se alguém imagina que a criminalização do enriquecimento ilícito vai acabar com a corrupção em Portugal está a ser optimista. É avisado baixar as expectativas. Não é nem nenhum ovo de Colombo nem cura para todos os males. Quem quiser prevaricar e tiver dois dedos de testa só com muita inabilidade é que não consegue”, afirmou, explicando o teor do projecto de lei do PSD, que só vai ser discutido na sexta-feira.
Nas suas intervenções, André Ventura não afastou os riscos que o seu projecto de lei apresenta, admitiu que a proposta podia ser melhorada, mas acusou os partidos de nada quererem fazer contra os que “saem [dos cargos] e têm uma vida dourada”, referindo-se por diversas vezes ao ex-primeiro-ministro José Sócrates.
O deputado único do Chega disse não se importar de “ficar a falar sozinho no Parlamento” já que “lá fora fala com milhões de portugueses”. Quanto aos vetos do Tribunal Constitucional a projectos anteriores sobre enriquecimento ilícito, André Ventura desvaloriza: “Não é o Tribunal Constitucional que elege a Assembleia da República”.
Neste debate só a deputada não inscrita Cristina Rodrigues pediu para arrastar o seu projecto sobre ocultação de riqueza, que é mais próximo das iniciativas do BE, PSD, CDS, PAN e PEV. A ex-deputada do PAN pediu a baixa do seu projecto à comissão sem votação, o que foi aprovado.