Alemanha reencontra Hungria 67 anos após “milagre de Berna”
Germânicos travaram “futebol socialista” de Puskas na final do Mundial de 1954. Agora são os magiares que necessitam de um milagre em Munique
Munique e Berna estão separadas por 430 quilómetros, mas para o futebol húngaro existe um hiato de 67 anos entre estas duas cidades. Foi na cidade suíça que os magiares alcançaram o maior feito do seu futebol, ao disputarem a final do Mundial de 1954 com o estatuto de grandes favoritos à conquista do torneio. Acabaram derrotados no jogo decisivo pela Alemanha (3-2) naquela que foi a última partida oficial entre as duas selecções antes do reencontro desta quarta-feira à noite na capital da Baviera (20h, SPTV), que irá decidir as contas do Grupo F do Euro 2020.
O jogo decisivo de Berna marcou também um longo declínio competitivo (e de talento) da Hungria que dura até hoje. Longe vão os tempos dos “magiares mágicos” orientados pelo mítico Gusztáv Sebes e liderados em campo pelo eterno Ferenc Puskás. Juntos conquistaram o ouro olímpico em 1952, nos Jogos de Helsínquia, na Finlândia. Inseparáveis, foram a Wembley, no mesmo ano, chocar 110 mil adeptos do país que inventou o futebol com um expressivo triunfo por 6-3 na oficiosa “partida do século”, que comemorava os 90 anos da federação inglesa. Seria a primeira derrota da selecção britânica em casa frente a um adversário da Europa continental.
Um recital de futebol ofensivo em Londres que se repetiria com agravo seis meses depois, já em 1953, quando as duas selecções se reencontraram para um tira-teimas em Budapeste. O marcador só parou aos 7-1.
Na filosofia de Gusztáv Sebes, todos os jogadores em campo teriam de assumir responsabilidades iguais, tanto a defender como a atacar. Tinham de ter capacidade para alinhar em qualquer posição, ajudarem todos a marcar golos e a pressionar colectivamente quando perdiam a bola. Demonstraram que o sistema poderia variar ao longo de uma partida, algo banal na actualidade, mas uma revolução a meio do século XX. Chamaram-lhe “futebol socialista”, que iria revolucionar a modalidade e antecipar a era do “futebol total” da Holanda de Johan Cruyff.
Foi assim que a inovadora Hungria se apresentou no Mundial da Suíça, em 1954. Na fase de grupos foram fulminantes. Esmagaram a Coreia do Sul por 9-0 e humilharam a então Alemanha Ocidental por 8-3. Na fase a eliminar, bateram o Brasil (quartos-de-final), vice-campeão mundial, e o Uruguai (meias-finais), detentor do título, ambos por 4-2. No reencontro com os germânicos na partida decisiva, estiveram a vencer por 2-0, mas acabaram traídos pelo excesso de confiança. Para a Alemanha, a final ficaria conhecida como “o milagre de Berna”.
Quase sete décadas depois, a Hungria derivou do comunismo para a extrema-direita e quem anseia por um milagre em Munique são agora os magiares. Frente a um dos mais fortes candidatos ao título, as contas da selecção orientada pelo italiano Marco Rossi são simples: apenas um triunfo lhe dará acesso aos oitavos-de-final da prova. Mas, do lado oposto, também ainda não está garantida uma presença na fase seguinte, ainda que baste um empate para garantir a passagem.
Ambas as formações chegam bastante moralizadas a esta partida decisiva após os resultados da segunda ronda do grupo. A Hungria porque travou a campeã mundial França (1-1), no Arena Puskas, de Budapeste; a Alemanha porque vergou o campeão europeu Portugal, também em Munique (4-2).
“Já que temos hipóteses, vamos lutar por elas”, garantiu Marco Rossi, na antecipação desta partida: “Queremos realizar uma boa exibição, mas é preciso ter os pés assentes no chão, sem euforias. Esperamos mostrar a nossa melhor face em Munique.”
“O jogo será mais difícil se a Hungria defender com muitos jogadores e sair para o contra-ataque, aspecto em que é muito perigosa”, alertou Joachim Low, que se despede da selecção alemã no final deste torneio, após 15 anos no comando técnico.