As vinhas de Colares que encantaram Gordon Ramsay: “um dos segredos mais bem guardados de Portugal”
O calor da areia é o segredo para conseguir a boa maturação das uvas nas vinhas com 200 anos da região de Colares, explica o enólogo Hélder Cunha: vão brilhar com Gordon Ramsay no episódio sobre Portugal da nova temporada de “Uncharted”
A imagem, vista de cima, surpreende: sobre a areia desenham-se, como um mapa, manchas de verde. Dois homens olham-nas. Um deles é Gordon Ramsay, o famoso chef britânico que esteve em Portugal a filmar para o canal National Geographic um episódio da terceira temporada do seu programa televisivo Gordon Ramsay: Uncharted – que estreia na televisão portuguesa a 15 de Outubro. O outro homem é o enólogo Hélder Cunha, da Casca Wines, que mostra, orgulhoso, o trabalho que vem desenvolvendo há 13 anos em Colares.
“O programa está à procura de coisas raras”, explica Hélder à Fugas. Foi assim que, através de amigos, chegou à produção do programa de Ramsay a história destas vinhas com perto de 200 anos, que nascem na areia, na região de Colares, próximo do mar. Nas cenas que já foram, divulgadas, o chef não poupa as expressões de admiração e descreve-as como “um dos segredos mais bem guardados de Portugal” e o seu vinho como “um dos mais raros do nosso planeta”.
“Ele é um gentleman e um camarada. Ficou genuinamente surpreendido.”, afirma Hélder. “E note-se que ele sabe o que é o vinho. Quando prova os vinhos velhos de Colares, rapidamente as referências vão para a Borgonha.” Mas não bastava mostrar as videiras sobre a areia, explicando, como faz o enólogo, que foi esta característica que lhes permitiu sobreviver à filoxera, a doença que praticamente dizimou as vinhas europeias no século XIX. Para a cena que queriam filmar era preciso alguma acção na qual Ramsay pudesse participar.
Conseguiu-se conciliar a data da filmagem, há um ano, com um dos momentos determinantes para estas vinhas, o levantar dos cachos, que são apoiados em pontões feitos de cana a 20 ou 30 centímetros do chão, para poderem arejar. “É a segunda data mais importante a seguir à da vindima.” Levantar os cachos demasiado cedo ou demasiado tarde compromete a qualidade da uva. Ramsay teve a oportunidade de aprender como se faz, com o “senhor Gonçalo”, que aparece no episódio cortando as canas que o chef tenta depois, com algumas dificuldades, encaixar entre as videiras.
A cena é curta mas é eficazmente filmada de modo a mostrar o carácter especial e único destas vinhas e do vinho que elas se faz, e que o chef prova no final. O que é importante perceber aqui, diz Hélder, é como a areia “dá calor e ajuda muito a maturação das uvas”. “Os ensaios com vinhas em Colares a crescer na vertical são falhados. O calor da areia muda tudo para a viticultura da região”, sublinha. Ao mesmo tempo, as vinhas estão protegidas do excesso de vento e da salinidade do mar pelos caniçais que as rodeiam.
O “tesouro escondido” de que fala Ramsay são apenas “700, 800 metros quadrados” de vinha, mas Hélder acredita no futuro – ou não teria dedicado mais de uma década de trabalho a este projecto. “Há 13 anos, quando cheguei, a região estava moribunda. Os produtores não conseguiam vender o DOC Colares. Entretanto já levei lá tanta gente. Fiz aumentar o preço das uvas, somos o vinho mais caro da região [98€]. E temos novos produtores a plantar, alguns já com três hectares.”
Valorizar as uvas era fundamental nesta estratégia, para incentivar os produtores e permitir que estes terrenos continuem a ser usados para vinhas, resistindo à especulação imobiliária. Agora, Hélder espera que, com Gordon Ramsay a apresentar entusiasticamente as vinhas de Colares, se passe a valorizar ainda mais “o tesouro que Portugal tem e que o mundo precisa de saber que tem”.
“A maior dificuldade é precisamente Portugal”, desabafa o enólogo. “Não nos sabemos vender, como fazem a Itália ou França. Temos a raiz, temos o produto, temos que o valorizar.”
No episódio gravado em Portugal, o chef britânico vai também visitar uma quinta para conhecer o porco de raça alentejana, pescar sardinhas, esteve na Nazaré e na Ericeira, cozinhou ao lado do chef Kiko Martins e teve ainda tempo de criar uma polémica ao cozinhar o que apresentou como um “perfeito pequeno-almoço português”, com porco preto alentejano e ovos estrelados.