BCP quer dispensar entre 800 e 1000 trabalhadores e pode avançar para despedimentos
Plano prevê reformas e rescisões por mútuo acordo, mas pode contemplar medidas mais drásticas.
Depois de um interregno de um ano, por causa da pandemia de covid-19, o BCP vai retomar o plano de redução do número de trabalhadores, por reformas e rescisões por mútuo acordo, mas não exclui a possibilidade de avançar para um despedimento colectivo se objectivo pretendido não for alcançado, avançou o Expresso.
O PÚBLICO apurou junto de fonte não oficial do banco que o plano em cima da mesa prevê um corte entre 800 e 1000 trabalhadores, e que o cenário de despedimento colectivo não é excluído. O banco emprega actualmente cerca de 7100 trabalhadores em Portugal.
Depois do Santander, o BCP é o segundo grande banco, do grupo dos cinco maiores a operar em Portugal, a avançar com uma forte redução do número de trabalhadores. E tal como o primeiro, também coloca em cima da mesa a possibilidade de avançar para um despedimento colectivo, o que não era prática no sector bancário. O recurso até agora tem passado por reformas (antecipadas ou definitivas), até porque o contrato colectivo dos trabalhadores do sector financeiro permite a passagem à reforma mais cedo, e por rescisões por mútuo acordo.
De acordo com uma comunicação enviada aos trabalhadores, o presidente executivo, Miguel Maya, avança que o período de adesão ao programa de reformas e rescisões por mútuo acordo deverá iniciar-se no próximo dia 16 de Junho e decorrerá até 18 de Agosto.
“Seguindo-se, na eventualidade de ser necessário para alcançar a redução em função dos critérios específicos que considerámos, a implementação de medidas unilaterais de redução do número de trabalhadores”, lê-se na nota, a que o PÚBLICO teve acesso, referindo ainda que “o final do período negocial está perspectivado para 20 de Setembro”.
“O processo inicia-se com este apontamento que dirijo a todos os trabalhadores, e prosseguirá agora com as reuniões com os sindicatos, com a Comissão de Trabalhadores e com a DGERT [Direcção-Geral do Emprego e das Relações de Trabalho] as quais podem levar a alguns ajustes na forma como planeámos a execução”, adianta o gestor, que não avança com o número de trabalhadores a reduzir, o que justifica com o entendimento de “que tal só deverá ser conhecido após as reuniões a realizar com as estruturas representativas dos trabalhadores, as quais perspectivamos possam ocorrer até 16 de Junho”.
O PÚBLICO sabe que esses encontros já começaram esta quarta-feira.
Digitalização, limites às comissões e Novo Banco
Na longa mensagem enviada aos trabalhadores Miguel Maya explica que o plano estratégico “Mobilizar 2018/2021” assentava na expectativa de que “a recuperação da economia e do equilíbrio das contas públicas portuguesas estariam alcançados no final de 2019 e que, também por essa data, a recuperação do BCP estaria concluída”, e que os ajustamentos ao quadro de pessoal necessários levar a cabo “para assegurar a competitividade do Banco ocorreriam de forma mais relevante em 2020 e que, a partir desse ano, eventuais ajustes subsequentes seriam efectuados de forma suave e alicerçados nas saídas naturais e negociadas que se verificam todos os anos”.
Mas a “surpresa” da pandemia, no primeiro trimestre de 2020, e “a crise sanitária que rapidamente se transformou em crise económica, a qual não obstante os efeitos terem sido mitigados pelas moratórias dos Bancos e pelas medidas governamentais de apoio, teve impactos devastadores para muitas famílias e empresas”, levaram o BCP a decidir que “não era adequado empreender nesse ano o processo de redução de trabalhadores que estava a ser equacionado”.
No momento actual, em que “são já evidentes os sinais de recuperação”, é a própria pandemia a justificar a dimensão do plano, uma vez que “acelerou e acentuou um conjunto de tendências que já se perspectivavam viessem a ocorrer num horizonte temporal mais amplo, bem como exacerbou o impacto de um conjunto de factores específicos que influenciam e condicionam de forma muito relevante a competitividade dos bancos sediados em Portugal”, justifica o banco.
E entre esses factores está “a alteração dos hábitos e preferências de interacção dos clientes, os quais aderiram aos canais digitais com a mesma naturalidade com que no passado incorporaram nas suas rotinas a utilização das ATMs”, a “forte incorporação de tecnologia nos modelos e processos de negócio no sector financeiro (…) de modo a assegurar a preferência dos clientes em contexto de open banking na União Bancária Europeia. Mas também “a prevalência de taxas de juro negativas ou muito baixas, por um horizonte temporal alargado, a obrigatoriedade de repercutir nos clientes de crédito à habitação taxas de juro negativas”. E ainda “a impossibilidade dos bancos sediados em Portugal repercutirem o custo dos depósitos nos grandes depositantes”, e “a inibição ou limitação de cobrar comissões de mercado num conjunto alargado de serviços bancários, mais uma vez só em Portugal”.
O BCP destaca ainda “os injustos e irrazoáveis contributos que alimentam o mecanismo de capitalização contingente do Novo Banco, nomeadamente a contribuição especial sobre a banca e os pagamentos para o Fundo de Resolução Nacional, cujas contribuições por parte do BCP se aproximam dos 50 milhões de euros por ano e, em valor acumulado, já superaram os 400 milhões”.
“Poderia salientar mais condicionantes, mas não creio que tal seja necessário, excepto a referência a um aspecto essencial que determinou a decisão agora tomada sobre a redução do quadro de trabalhadores: a eficiência do modelo de negócio do banco tem de assegurar uma rendibilidade sustentável em patamar superior ao do custo do capital que utilizamos, pois se não o conseguirmos, como não estamos a conseguir (ROE de 3,1%, 5,1% e 5,2% em 2020, 2019 e 2018 respectivamente), não será possível gerar a prosperidade necessária para remunerar adequadamente os trabalhadores de forma a atrair, desenvolver e reter o talento necessário para assegurar a inovação, para investir nas tecnologias que permitem modernizar o Banco para competir e vencer no novo contexto concorrencial, e, condição necessária, para remunerar os accionistas de forma a preservar a autonomia e o desenvolvimento do banco”, lê-se na missiva.
O banco garante ainda que a redução de trabalhadores não resulta de uma mera comparação com o quadro de pessoal dos principais concorrentes a operar em Portugal, mas sim de “uma análise minuciosa das necessidades e da capacidade existente”, mas avisa que para ir “tão longe na redução, tal implicará uma maior selectividade ao nível das funções abrangidas e da performance demonstrada, o que, antecipamos, poderá não ser passível de alcançar exclusivamente através de um programa de reformas e rescisões por mútuo acordo, tendo presente que vai pressupor que uma parte muito significativa das saídas sejam de funções/trabalhadores pré-identificados”.
Os cinco maiores bancos a operar em Portugal perderam 169 agências e 1222 trabalhadores entre o final de 2019 e o final do ano passado, segundo contas da Lusa, com base nos dados divulgados pelas instituições.