Estudo com escoceses identifica novo efeito secundário da AstraZeneca ao nível da coagulação
Por cada 100 mil doses da vacina administradas, haverá mais um caso de uma doença chamada púrpura trombocitopénica idiopática - que tanto pode não dar sintomas como provocar hemorragias de gravidade variável, mas é tratável.
Uma análise feita com mais de 2,5 milhões de escoceses que tomaram a primeira dose da vacina contra a covid-19 da AstraZeneca ou da Pfizer-BioNtech entre Dezembro de 2020 e Abril de 2021 revelou um ligeiro aumento do risco de uma doença da coagulação chamada púrpura trombocitopénica idiopática (PTI) nas pessoas que tomaram a vacina da AstraZeneca: mais 1,13 casos por cada 100 mil doses administradas.
A equipa de Aziz Sheikh, da Universidade de Edimburgo, que inclui vários elementos da Public Health Scotland (o equivalente à Direcção-Geral da Saúde local) analisou uma base de dados que começou a ser desenvolvida para a gripe H1N1, em 2009, e foi recuperada agora para a covid-19, explicou Sheik, numa conferência de imprensa online. Inclui informação médica de todos os 5,4 milhões de residentes na Escócia que têm assistência médica, o que representa 99% da população.
No estudo, foram considerados os 2,5 milhões de cidadãos vacinados contra a covid-19 até 14 de Abril, quando começaram a surgir os primeiros sinais de alerta sobre efeitos secundários raros da vacina da AstraZeneca que produzem coágulos e hemorragias. A população analisada – onde há um um peso maior das pessoas com idades superiores a 40 anos, avisam os investigadores – inclui vacinados com a vacina da AstraZeneca e com a da Pfizer-BioNtech.
Foram detectados 19 casos de tromboses venosas cerebrais, o efeito secundário raro mais grave que tem sido associado à vacinação com a AstraZeneca. Mas apenas seis dos casos ocorreram em pessoas que tinham sido vacinadas. Uma delas morreu. “Com estes números, considerámos que não tínhamos condições para fazer uma análise”, disse Aziz Sheikh, na conferência de imprensa. O facto de a população ser mais idosa pode ter influenciado os resultados.
“O que encontrámos é algo distinto dos eventos tromboembólicos graves que foram descritos antes. Temos tratamentos para a púrpura trombocitopénica idiopática, e esperamos poder reduzir os riscos”, comentou o investigador.
Esta doença é caracterizada por uma redução no número de plaquetas (trombocitopenia): o sangue contém normalmente entre 140 mil e 440 mil plaquetas por microlitro; se houver uma redução para menos de 50 mil plaquetas por microlitro de sangue, pode haver hemorragias. Mas só há risco de hemorragia grave se houver menos de 10 mil a 20 mil plaquetas por microlitro de sangue, segundo o Manual MSD, da Merck.
A PTI tem um largo espectro de manifestações – pode não dar sintomas, ou podem surgir hemorragias na pele, muitos pontos vermelhos pequeninos (petéquias) na parte inferior das pernas e pequenas lesões, que podem causar hematomas negros e azulados (equimoses ou púrpura). As gengivas podem sangrar, pode aparecer sangue nas fezes ou na urina, os períodos menstruais e hemorragias nasais podem tornar-se invulgarmente intensos.
“Na maior parte das pessoas a doença tende a ser menos grave, mais gerível. Como com qualquer vacina, temos o dever e a responsabilidade de avaliar os riscos e os benefícios, mas em relação à PTI os benefícios da vacinação contra a covid-19 ultrapassam claramente os riscos”, comentou Chris Robertson, da Public Health Scotland, outro elemento da equipa, na conferência de imprensa online.
Na verdade, não é inédito que a PTI surja em reacção a uma vacina, ou até a uma doença viral – notam os autores de um comentário ao trabalho da equipa de Aziz Sheikh. “O conceito de que a vacinação pode induzir a púrpura trombocitopénica idiopática não é novo nem sem precedentes. Foi visto com frequência em crianças expostas à vacina contra o sarampo que usa um vírus vivo atenuado (enfraquecido)”, escrevem Allyson Pishko, James Bussel, e Douglas Cines. O primeiro e o último autores são da Escola de Medicina Perelman na Universidade da Pensilvânia (EUA), e o segundo é da Escola de Medicina Weill Cornell, em Nova Iorque (EUA).
No Reino Unido, calcula-se que surjam naturalmente entre seis e nove casos por cada 100 mil pessoas – com a vacina da AstraZeneca, surgirá mais um caso. “Mas estes números podem complicar-se, porque por exemplo uma das consequências da covid-19 é fazer aumentar os casos de TPI”, adiantou Jim McMenamin, da Public Health Scotland, outro autor do trabalho.
O estudo sugere ainda que a vacina da AstraZeneca pode contribuir para a formação de coágulos nas artérias e hemorragias, sobretudo em idades mais avançadas (acima dos 60 anos), com um risco ligeiramente maior nos homens e em pessoas com outras co-morbilidades, como diabetes ou doenças coronárias.