Energia solar: envolver em vez de impôr

Estamos a deixar de fora quem o sistema energético serve e a assumir o risco de a energia solar afastar os cidadãos, em vez de ser símbolo de uma transição mais justa e democrática. Soluções há muitas. Só precisamos de sensibilidade e vontade (política e não só) para as fazer acontecer.

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Reuters/CHINA STRINGER NETWORK

Portugal é um campeão das renováveis. História de sucesso que começou mais cedo do que na maioria dos países que lideram a transição para um sistema energético mais limpo, renovável e autóctone. Barragens, energia eólica, o pequeno solar, algum grande solar, o quase congelamento com a “troika”, e a caminho do terceiro leilão para o grande solar em três anos (o próximo para centrais flutuantes em albufeiras é bastante promissor, da eficiência ao impacto ambiental).

Enquanto somos um bom exemplo no aproveitamento dos recursos naturais e na visão política de um país descarbonizado em 2050, continuamos na cauda da Europa na adopção de outra prática tão importante como necessária: a democracia energética.

Se é verdade que nos encontramos num momento decisivo da história do planeta em que devemos actuar rápido e em grande escala, também já devíamos ter aprendido que nenhuma transição pode (nem deve) fazer-se sem os cidadãos.

Os projectos anunciados em Portugal, alguns verdadeiramente megalómanos - como a Zero, que estima que a ocupação de terreno por grandes centrais solares “poderá chegar perto ou superar os dez mil hectares, área equivalente ao concelho de Lisboa"-, continuam a acontecer sem o envolvimento de cidadãos e comunidades onde os impactos se fazem sentir. Aconteceu com as barragens, aconteceu com a energia eólica e está a acontecer com a energia solar.

Já não somos – ou não devíamos ser – um país onde a noção de envolvimento ou compensação das comunidades passa pela oferta de uma ambulância a bombeiros, uma rotunda ou um pavilhão gimnodesportivo (excepção feita ao cluster eólico de Viana do Castelo com impacto positivo no desenvolvimento sustentável da economia local). As regiões já não são tão pobres e as pessoas já não tão conformadas. Prova disso: os movimentos que estão a surgir, especial incidência no Alentejo e no Algarve. Grupos como Os amigos do Cercal, que contestam uma nova central prevista de 230 megawatts. As pessoas não se sentem ouvidas, informadas e, sobretudo, não sentem o projecto como seu.

Isto não quer dizer que não se deva avançar com grandes projectos solares onde eles forem ambientalmente aceitáveis – o desenvolvimento, mesmo o sustentável, exigirá sempre compromisso –, mas aos cidadãos e empresas que utilizam esta electricidade, e às comunidades que vêem o seu território ocupado e impactado, tem de ser oferecido o envolvimento directo e um benefício maior do que a redução das emissões de carbono e um sistema energético mais limpo.

Se olharmos para o resto da Europa encontramos várias formas de incentivo à participação. Em França foi dado um incentivo na tarifa a centrais que incluíssem na sua estrutura financeira o crowdfunding. Nos Países Baixos, os novos projectos de energia solar e eólica onshore têm de ser em parte detidos por associações ou cooperativas locais. Na Alemanha foram criadas condições especiais de igualdade para que cooperativas de energia renovável pudessem aceder a leilões.

Se não mudarmos a abordagem actual repetimos erros do passado e da produção centralizada. Estamos a deixar de fora quem o sistema energético serve e a assumir o risco de a energia solar afastar os cidadãos, em vez de ser símbolo de uma transição mais justa e democrática. Para a história ficará a luta e a frustração de quem nada pôde fazer e viu o desenvolvimento passar-lhe ao lado.

Soluções há muitas. Só precisamos de sensibilidade e vontade (política e não só) para as fazer acontecer.

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