É este o momento de tornar o turismo uma política europeia comum?

Entre críticas e elogios à actuação da União Europeia na resposta à crise do turismo, os eurodeputados defendem uma maior transversalidade nas políticas para o turismo. Para onde deve caminhar o futuro do sector que luta para sobreviver à pandemia?

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Paulo Pimenta

Não é novidade que a pandemia da covid-19 provocou uma crise económica e social sem precedentes e que o sector do turismo foi um dos mais penalizados. Mais de um ano após o primeiro caso de covid-19, a pandemia continua a arrastar-se e a retoma do turismo, que representa cerca de 10% do PIB da União Europeia (UE), continua adiada.

O sector permanece envolvido num manto de imprevisibilidade. Em causa poderão estar entre seis a 11 milhões de postos de trabalho, explica ao PÚBLICO a eurodeputada Cláudia Monteiro de Aguiar, acrescentando que a quebra de turistas internacionais na Europa foi de 70%. “Há toda uma cadeira de valor ligada ao turismo, de pessoas que trabalham directa e indirectamente no sector que estão em situação muito delicada, porque esta crise, com os dados que temos, é 11 vezes superior à de 2009”, compara.

O cenário é dramático e, entre especialistas, a retoma para valores pré-pandemia é apontada lá para 2024. O Verão de 2021 “não será aquele balão de oxigénio” pelo qual o sector desespera, defende a social-democrata. Uma tão profunda crise não pode levar a UE a recuar, mesmo não sendo o turismo uma “competência da União”. “Esta pandemia demonstrou uma Europa descoordenada, onde cada estado-membro assumiu as suas regras e fez as suas formas de mobilidade e acabou por haver uma descoordenação total que não abona a favor dos cidadãos europeus”, critica a eurodeputada do PSD.

Por isso, Cláudia Monteiro de Aguiar defende uma “coordenação efectiva” do turismo ao nível da UE, concretizada através de várias medidas comuns: “testes gratuitos” para os viajantes; uma “harmonização das quarentenas” entre os diferentes países; a criação de apoios específicos para o sector; e a utilização do já célebre certificado covid-19 para a livre circulação, que visa comprovar a vacinação ou testagem à covid-19 do passageiro.

“Este é o momento de o turismo se tornar uma política europeia comum, como acontece na educação, na saúde e na cultura”, defende a eurodeputada. Nessa política comum, deve existir uma “aposta clara” no turismo nacional e é preciso alinhar o desenvolvimento do sector com a “transição digital e a transição ambiental”: “mas para isso é preciso suporte financeiro robusto”, alerta.

Outra “componente fundamental” é a aposta na formação e Cláudia Monteiro de Aguiar recorda a proposta para a criação de uma academia internacional online para que seja dada “formação de forma célere e ágil”. “Não teremos destinos sustentáveis se não estivermos todos envolvidos e se não tivermos sob um chapéu europeu”.

“Uma união europeia para o turismo”

A socialista Sara Cerdas é mais optimista quanto à época alta que aí vem. “O Verão pode significar um balão de oxigénio para o sector”, defende a deputada no parlamento europeu. Os números ajudam a explicar a divergência de opiniões e espelham a imprevisibilidade que paira sobre o sector.

Os dados mais recentes quanto ao número de voos comerciais enchem de esperança os optimistas: em Abril de 2021 registou-se um impressionante crescimento de 237,6%. Contudo, nesse mesmo indicador, os números foram trágicos nos meses anteriores, mesmo com os avanços (tímidos, é certo) na vacinação: a quebra do número de voos comerciais na UE foi de -48.7% em Março e de -73% em Fevereiro deste ano.

“A UE tentou desde logo responder às necessidades deste sector”, defende Sara Cerdas, dando como exemplo o pacote aprovado em Maio de 2020 que criou um “quadro de coordenação comum” para promover “de imediato a retoma dos fluxos de transporte e de turismo com segurança”. A socialista também enaltece a postura do parlamento europeu para encontrar respostas para o sector, ao propor novas medidas para as pequenas e médias empresas e a “uniformização de regras a nível epidemiológico nos diferentes estados-membros”.

Outro exemplo de que a UE está determinada em encontrar respostas para o turismo é o acordo provisório alcançado para o certificado digital covid-19, que, diz Sara Cerdas, irá “facilitar a circulação de cidadãos na UE”. “O grupo dos Socialistas e Democratas no Parlamento Europeu, do qual faço parte, desde o início da pandemia defendeu a necessidade de uma união europeia para o turismo”, afirma. A pandemia tornou evidente a necessidade de uma “standardização de procedimentos” e de “protocolos comuns”. Ou seja: “medidas transversais” para o sector do turismo, que também deve ter uma “linha de financiamento específica”.

Para um sector que representa cerca de 11,2% do emprego da UE, o turismo continuará a ter um “papel inegável” as economias europeias. Agora, é preciso o aproveitar a crise para moldá-lo para “melhor”, defende a eurodeputada do PS. “Com a revitalização do sector temos neste momento uma oportunidade de moldá-lo para melhor, tornando-o inclusivo, sustentável e digital”, diz Sara Cerdas, lamentando, contudo, a ausência de uma rubrica para o turismo no actual quadro financeiro plurianual (QFP 2021-2027).

Para o comunista João Ferreira, o turismo terá “sempre uma importância grande”, sobretudo para um país com as características de Portugal, mas tal “não apaga a necessidade de se combater a dependência excessiva do turismo que se instalou” nos últimos anos.

O deputado no parlamento europeu defende que deve ser atribuído um “papel estruturante ao turismo” interno, ao mesmo tempo que se garanta uma “mão-de-obra melhor paga” e se “combata a sazonalidade”. “Temos um sector caracterizado pela prevalência de mão-de-obra pouco qualificada, descartável, exposta à sazonalidade e em situação muito precária. Esta é uma realidade que temos de mudar”.

Mas, para já, o “tempo é ainda de acorrer a situações de emergência”, atira pragmaticamente. Urge canalizar financiamento para acudir trabalhadores - porque o turismo só tem os “financiamentos que estão disponíveis para outros sectores” - e criar as condições de segurança para a mobilidade de passageiros, que não passa pelo certificado covid-19. Para João Ferreira, aquele certificado poderá ser um “obstáculo à livre circulação” porque, por exemplo, apenas vai contemplar vacinas autorizadas pela UE “quando hoje no mundo existe um conjunto mais alargado de vacinas”.

O comunista pede ainda que se tirem lições dos primeiros tempos da pandemia, quando “não houve uma resposta europeia ao sector”: a resposta foi “fundamentalmente nacional”. E, quando surgiu alguma medida comunitária, assentou em “linhas de endividamento” que “constrangeram” ainda mais os países, critica.

“Aquilo que vimos a dado passo, sobretudo no ano em 2020, foi o juntar à falta de coordenação uma autêntica disputa de fluxos turísticos entre países, em que não houve hesitação em criar dificuldades ao vizinho para nós próprios dispormos de uma opção maior dos fluxos turísticos”. Uma disputa que poderá cavar ainda mais as desigualdades, perante a inércia europeia. “Não há resposta europeia que coloque os países em pé de igualdade. Temos neste período um risco sério de se acentuarem desigualdades no seio da União Europeia”.

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