A Política de Educação não pode ser um ato falhado
O problema não é dos liberais e nem das escolas privadas fazerem corretamente o seu trabalho. O problema está no rumo errado que tomaram as atuais Políticas de Educação, que nos conduziram a este estado de desalento e desorientação em tantos profissionais de elevador social estragado, de assimetrias diversas, e que é imperativo reformar urgentemente.
Foram publicados os rankings das escolas e importa não apenas falar dos rankings em si mesmo, mas também dos problemas inerentes a estes dados dos rankings, do que se está a passar na falta de prioridade atribuída à Educação, na falta de cultura de informação e na infeliz constatação de que a atual Política de Educação se encontra em falência.
Um dos aspetos que logo se estranha é o de que todas as escolas subiram a sua média. A principal explicação que obtemos é que neste ano os alunos não se apresentaram à totalidade aos exames, mas sim aos que escolheram fazer (tipicamente os que precisavam para terem acesso específico à Universidade). São “detalhes”, dirão, mas são detalhes que fazem toda a diferença e que impedem que os resultados sejam comparáveis.
A quebra de estrutura não se dá só aqui. Deixou de ser possível aceder a um conjunto de informação e análise, de onde destaco o indicador dos Percursos Diretos de Sucesso. Este indicador, que revela o contexto dos alunos e sucesso escolar relativo, devia ser motivador e central para o foco na mobilidade social. Devíamos, como sociedade e como agentes de ação, estar centrados na recuperação das aprendizagens, estar a debater projetos e recursos para tutorias, como seja incluir a comunidade escolar na discussão e decisão, descentralizando para agir local e especificamente. Não ter os dados completos nem possuir este indicador em concreto não é, na minha opinião, “apenas” não ter mais um instrumento: é um sinal da falta de preocupação, de competência e de foco no desempenho. E relativizar, isto é, a meu ver, ser-se tolerante e conivente com a falta de ambição e de importância atribuídas à Política de Educação.
Desengane-se também quem está a considerar que estou a desvalorizar os rankings. Não estou. Mas se todos os anos temos de ter cautelas na análise, este ano devemos ter ainda mais. Sobretudo porque estamos a falar de um ano letivo onde toda a informação útil divulgada no sentido da ação se tornou ainda mais fundamental: não se podia ter falhado sistematicamente nestes temas! Mas, afinal, ainda não se tomou consciência da urgência e da gravidade do que se está a passar no ensino?
Os rankings têm um novo indicador, o da equidade, mas este indicador é apenas referente aos alunos de ação escolar. Sendo importante, não substitui, por isso, o referido anteriormente. Mais uma vez um problema grave de obtenção e análise de dados, de falta de cultura de informação, e justamente um ministério que deveria saber e querer dar o exemplo na gestão de políticas nas quais é imperativo não falhar.
Outro tema de que se tem falado amplamente é o agigantar de diferenças entre ensino público e ensino privado, o que pode contribuir desde logo para uma desmotivação e inferiorização da escola pública. Pelo contrário, o adensar deste fosso deveria servir para o reconhecimento da necessidade absoluta de serem discutidas e implementadas novas Políticas de Educação cujas opções terão de passar por uma abordagem conjunta, de desempenho de todos e com a inegociável responsabilidade de não deixar nenhuma criança para trás.
E não, o problema não é dos liberais e nem das escolas privadas fazerem corretamente o seu trabalho. O problema está no rumo errado que tomaram as atuais Políticas de Educação, que nos conduziram a este estado de desalento e desorientação em tantos profissionais de elevador social estragado, de assimetrias diversas, e que é imperativo reformar urgentemente.
Deveríamos fazer uma travagem a fundo na sociedade e, se não estão os políticos capazes, que se juntem jornalistas, comentadores, opinadores e todos aqueles que possam questionar de forma crítica e que queiram saber se esta Política de Educação com base na ideologia e com total incapacidade para reverter os maus resultados comprovados tem de ser reformada. Tive ocasião de ler diversos comentários sobre “o ministro”, mas não se trata “apenas” dum ministro. É a orientação de toda uma política, dos governantes e dos partidos que lhes dão respaldo que nos conduzem a este percurso errado. E não serve para desculpabilizar afirmar-se que “este ano é assim” e “temos de compreender as dificuldades”, pois é justamente em tempo de adversidades que a capacidade de ação e superação se tornam mais fundamentais, e é em tempos como os que estamos a viver que as prioridades têm de ser indubitavelmente claras e que a sociedade não pode falhar a quem mais precisa. E convenhamos: a Educação não tem sido uma prioridade.
Alguém consegue seriamente dizer que temos tido uma boa Política de Educação? Tal como o SNS neste último ano, a escola pública resiste graças ao mérito e empenho dos docentes e de pessoal não docente, que em superação e reinvenção “estiveram lá”. A escola pública resiste “apesar” da política. A impreparação, os problemas de gestão e planeamento que vieram à tona, a cegueira ideológica a fazer perpetuar erros e, por fim, um total falhanço quer na ambição pela recuperação de resultados, quer na preocupação real com a identificação de problemas para desenho das melhores soluções.
A dedicação vivida pelos profissionais da educação, escola a escola, agrupamento a agrupamento, e também a dificuldade em resolver temas quando seriam os mais conhecedores e capazes, deveriam de uma vez por todas servir de exemplo e mote para uma reforma na Educação, que verdadeiramente valorize a Escola, nomeadamente a Pública, e criando as condições para que estas concorram e se valorizem, através de mais autonomia administrativa, financeira e pedagógica.
Não deveríamos exigir menos do que um enorme foco, desígnio e políticas de educação efetivamente orientadas para os alunos, exigir que a educação seja uma verdadeira oportunidade de valorização individual, como geração de oportunidades, como instrumento de valorização social e mobilidade, realização individual e promotora do desenvolvimento do país. Seja na ótica de valorização do individuo, da geração de riqueza, de liberdade, de felicidade – escolham a ótica, mas não queremos aquilo que temos e que só tem agravado o fosso da desigualdade de oportunidades.
Não me venham dizer que nos últimos anos a Educação tem sido uma prioridade e que as Políticas de Educação são uma paixão: se forem uma paixão, então são claramente um amor não consumado. Ou então são uma paixão doentia, daquelas que apenas consomem e destroem. Não podemos aceitar mais políticas de educação como atos falhados, mas sim fazer muito mais. Sobretudo no contexto em que vivemos, a política não pode falhar!
A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico