As moções, os deserdados e os três russos que influenciam o BE
Bloquistas sucederam-se na tribuna para apresentar, em oito minutos, cada uma das cinco moções levadas ao congresso.
O momento em que as cinco moções foram apresentadas aos delegados presentes em Matosinhos, na XII Convenção do Bloco, originou o episódio mais divertido do primeiro dia de trabalhos. Américo Campos levou à tribuna um pouco de história e humor ao falar nas três tendências internas do partido: a leninista, a trotskista e a estalinista.
“É curioso que três russos envolvidos numa revolução mal sucedida, com mais de 100 anos, influenciem um partido de esquerda do século XXI”, disse, gerando gargalhadas na sala. “Lenine e Trotsky viveram antes de nós, podemos aprender com os seus erros. Quanto a Estaline, as pessoas decentes só podem repudiar os seus crimes”, continuou o bloquista que explicou o conteúdo da moção C, antes de enveredar por um monólogo sobre o papel dos três políticos. A dada altura, sentindo-se interrompido, disse: “São os leninistas que não me deixam falar”. Aplausos.
Pedro Filipe Soares começou a apresentação da moção A com uma condenação os ataques feitos à Palestina, mas não demorou a dizer que este encontro não serve para discutir o Orçamento do Estado de 2022 “que ainda nem sequer o Governo do PS os seus ministros sabem como é que o vão fazer”.
O dirigente defendeu que o Bloco “é a esquerda que nunca faltou à esquerda”, pelo que “qualquer orçamento de esquerda terá o voto do BE”. “Precisa é de ser de esquerda”, vincou, antes de dizer que está por demonstrar ser isso que o Governo quer e lamentar “os apoios anunciados e poucas vezes concretizados”.
Ana Sofia Ligeiro apresentou a moção E (do movimento Convergência) em nome da pluralidade de opiniões e assumindo-a como uma alternativa à direcção. “Estamos cá e estaremos”, disse. “Acalentamos a dissidência que permite o debate. Recusamos lógicas de verticalização da estrutura. Não nos furtamos ao debate interno.”
A bloquista acrescentou que a proposta apresentada por este grupo “é o resultado de discussão e partilha” e que pretende alertar para o “perigo da perda de influência política” do Bloco, para a necessidade de “corrigir o rumo” e de analisar “a experiência da ‘geringonça’, que teve dois tempos”. Porque, explicou, em 2019, o peso eleitoral do Bloco “recuou”, assim como o poder “reivindicativo junto do Governo”.
“Estamos a escamotear os problemas de uma legislatura capturada pela obsessão pelo défice”, registou Ana Sofia Ligeiro. E assumiu: “Estamos zangados com o Governo socialista. (...) Não alinharemos com o Governo na normalização da austeridade.
Sobre a Moção Q, falou João Patrocínio, membro dos Jovens do BE. Numa intervenção acesa contra as escolhas da actual direcção, criticou a “mediatização excessiva dos assuntos do partido” e “a política de navegação à vista” de Catarina Martins, que para si reflecte “a ausência de uma estratégia de fundo e pensamento a longo prazo”. Como subscritor desta moção, lamentou “o foco absoluto no trabalho parlamentar” e acusou os deputados e dirigentes do partido de apenas comentarem os temas “quando estão quentes” para depois os esquecerem.
João Patrício acusou a direcção do BE de estar a permitir “um período de institucionalização”. “O Bloco é cada vez menos um partido de movimento para se tornar um partido como os outros”, lamentou.
A última moção a ser apresentada foi a N. Paula Rosa afirmou-se contra “o continuismo do Governo” e pediu um partido mais plural e “não formatado e formalizado, à imagem de outros partidos”. A bloquista avisou ainda que “não haverá verdadeira mudança se não houver uma resposta clara aos deserdados da esquerda a quem a esquerda fez promessas”.